24 de março de 2010

PÁSCOA 2010

(Paula Rego, Pietá, 2002)

Estou à espera de Deus na colina de Gólgota

Ele há-de vir quando tiver acabado o jogo dos dados

Com os soldados que lhe mataram o Filho

Virá todo enlaçado a Maria Madalena

A meretriz provável daquela improvável salvação

E será insultado por todos os credores desse lugar

Olha lá, velho dum raio, quando pagarás tu

De uma vez e sem refilar

Tudo o que nos prometeste?

Fazes-te de novas, finges não perceber?

Então tu julgas que esta pobre gente

A quem vendeste o mito de a teres criado

Aceita do velho sátiro que és

O testamento infame que lhe dás?

A Salvação em troca de um Filho morto?

Ora adeus, velho dum raio

Pois não te dás conta que já ninguém te atura?

Nem o passaroco do Espírito Santo tem já por ti respeito

Voou anteontem com uma pomba ladina e cheia de cio

Não acreditas? É natural. Tu nunca acreditaste em homem nenhum

Dizem que só os fizeste (se é que isso é verdade)

Para os matar a seguir

Depois, como te pesava a consciência,

Mandaste o pateta do teu Filho

Morrer também deploravelmente

Mas para logo a seguir subir ao céu

E o pobre do Tomé meteu-lhe a mão

Na chaga do lado

Para testemunhar que era mesmo ele

O supliciado

O condenado

O falecido

E queres que acreditemos nisso?

O que tu fizeste foi um passe de mágica

Semelhante ao que praticam os mágicos de feira

O teu filho nunca morreu

Porque nunca chegou a viver

É uma simples patranha

P’ra enganar papalvos

Tu o que verdadeiramente gostas

É de nos ver cheios de medo de morrer

Agora basta

Leva lá a Madalena para te aquecer os pés

Leva lá o Tomé e manda-lhe lavar as mãos

(as feridas infectam na Terra e no Céu)

E vê se morres de vez, ouviste?

Ou então faz-nos eternos aqui em baixo

E mostra enfim que és Deus.

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