No dia 4 de Dezembro de 1906 foi conhecido o manifesto académico Ao País. Dos estudantes revolucionários de Coimbra, muito severo para os poderes vigentes, o qual invocava o antecedente da “forte geração dos estudantes republicanos de 90”. Tal documento fora redigido por António Granjo, Ramada Curto e Carlos Olavo, todos republicanos, cursando a Faculdade de Direito. Eram numerosos os discentes universitários que subscreveram esse texto, contando-se entre eles algumas personalidades que viriam a ter lugar destacado no posterior republicanismo, tais como Campos Lima, Marques Guedes, Abranches Ferrão, Carlos Amaro, Bissaya Barreto, Alberto Xavier, Pinto Quartin e muitos mais. O manifesto utilizava uma linguagem de implacável rudeza, referindo a Casa de Bragança como uma “dinastia de beatos, traidores e cobardes” e João Franco como um “epiléptico ignorante e mal-educado”.
Em 27 e 28 de Fevereiro de 1907 foi discutida na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra uma tese de doutoramento, redigida por José Eugénio Dias Ferreira, filho do político monárquico José Dias Ferreira, na qual o candidato adoptava uma metodologia claramente positivista, que certamente teria desagradado aos membros do júri. Por outro lado, esse trabalho científico era explicitamente dedicado ao ideólogo republicano Teófilo Braga, presumindo-se que também isto tivesse concitado alguma animosidade contra José Eugénio. Como se tivesse divulgado na cidade que o júri tencionava infligir ao candidato uma reprovação inapelável, a Sala dos Capelos encheu-se de gente. Foi com pasmo que os presentes assistiram a interpelações extremamente agrestes por parte dos examinadores, um dos quais chegou ao cúmulo de mandar calar José Eugénio quando este fez menção de se defender. Logo que foi conhecida a decisão unânime da reprovação do doutorando, uma considerável multidão de estudantes, concentrada no Pátio da Universidade, vitoriou o candidato e soltou brados de indignação contra os professores, a Faculdade de Direito e o autoritarismo do ensino catedrático. Alguns estudantes, na noite da decisão do júri, foram fazer arruaças à porta das residências dos doutores Álvaro Machado Vilela e Guilherme Alves Moreira, com apedrejamento das janelas. Nessa mesma noite, a assembleia magna da Academia deliberou uma greve às aulas do dia seguinte, em todas as Faculdades. Na continuação deste agitado momento, certos estudantes cometeram desnecessários excessos. João Franco respondeu a tudo isto com a sua proverbial precipitação autoritária: mandou suspender os exames universitários, fomentando o alargamento do protesto estudantil contra a instituição universitária e os seus métodos de ensino.
Pressentia-se que a contestação encetada contava com a benevolência – senão mesmo com a discreta cumplicidade – de professores que davam mostras, nesta conjuntura, de uma maior modernidade pedagógica e de uma mais requintada bonomia no relacionamento social. Estavam neste grupo os docentes Bernardino Machado, Pedro Martins, Ângelo da Fonseca, Sidónio Pais, Daniel de Matos e Caeiro da Mata. Uma representação de estudantes, já com a Universidade encerrada, deslocou-se a Lisboa para explicar ao governo os seus pontos de vista. Receberam da parte de Malheiro Reimão, ministro das Obras Públicas, uma resposta cortante: o governo só tomaria conhecimento das reivindicações se os estudantes regressassem incondicionalmente às aulas. António Granjo desforrou-se, lendo ao presidente da Câmara dos Deputados uma exposição onde se dizia taxativamente: “A Universidade é uma fábrica de cretinos”.
Coube sobretudo à vigorosa oratória de António José de Almeida a defesa da causa estudantil na Câmara dos Deputados. Assim, declarava este tribuno, em 5 de Março de 1907, que o movimento académico apenas pedia que “se reformem os estudos e se varra da Universidade esse velho espírito inquisitorial, que ainda se abriga na solidão dos seus claustros”. Guerra Junqueiro entrou também na liça, através de uma missiva dirigida a um conclave de estudantes, em reunião no Porto, em 18 de Março. Lia-se nela esta demolidora passagem: “(…) a nossa triste Universidade, embora com homens de valor, julgada em globo, na sua organização, na sua estrutura e nas tendências, só realmente, queimando-a, nos daria luz. Não a queimem, nem a desloquem, reformem-na”. Cerca de uma semana depois, Bernardino Machado declarava no Centro Republicano Escolar de Belém que se fossem expulsos estudantes da Universidade, ele consideraria que as portas universitárias também estariam para si encerradas.
A sentença do Conselho de Decanos foi conhecida em 2 de Abril, expulsando da Universidade por dois anos os estudantes Ramada Curto, Campos Lima e Carlos Olavo, indigitados como principais instigadores, e por um ano Alberto Xavier, Pinho Ferreira, Gonçalves Preto e Pinto Quartin. A unidade estudantil voltou a manifestar-se quando João Franco teve a veleidade de reabrir a Universidade, uma vez que a greve geral persistiu. A instituição universitária iria mudar de reitor e o conflito conheceria novos rumos quando uma comissão de pais se organizou , chegando mesmo a ser recebida pelo rei D. Carlos.
Mas foi já em plena ditadura franquista que o contencioso se resolveria. O governo aliciou os estudantes com as promessas de lhes evitar a perda de ano escolar, pressionando indirectamente os pais a tomarem medidas “persuasivas”. Foi assim que numa Academia de pouco mais de mil estudantes universitários os famigerados exames vieram a ser requeridos por oitocentos e oitenta e seis pupilos de Minerva … Ficaram de fora cento e sessenta relutantes, os quais passaram a ostentar com orgulho a designação de “Intransigentes”. Um desses “intransigentes” dava pelo nome de Fernando Baeta Bissaya Barreto Rosa!
Em 26 de Agosto, vogando nas águas turvas de uma ditadura cada vez mais descomposta, o governo franquista substituía as expulsões por “repreensões” e “censuras” e estendia aos “Intransigentes” a admissão a exames. Chegava ao fim a crise académica. Mas estava por resolver a questão do regime, agora cada vez mais à deriva, sob a autoridade instável, nevrótica e imprevidente de João Franco, o delfim e “valido” de D. Carlos de Bragança.
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