28 de junho de 2011

O MENINO DA NEVE


(Adaptado a partir de um conto medieval)

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Por névoas da manhã brumosa e fria

Deixando atrás queixumes de mulher

Partiu do lar a demandar seu ter

Um mercador de chã mercadoria.

Andou três anos por cerros e fronteiras

Três anos de saudade amarga e crua

Sem que uma só vez chamasse sua

A fêmea ocasional colhida em feiras.

E quando regressou ao seu telheiro

Dobrada a curva do último caminho

Espreitando pelo vidro com carinho

Viu esfolhada a flor do seu canteiro.

Entrou e quis saber, com voz distante

Se o Menino lindo que ali reverdecia

Era só o penhor do tempo que corria

E se já não era amado mas amante.

A mulher disse-lhe então, pressurosa,

Que não chegara o tempo de carpir

Pois com ninguém tinha sido amorosa

No intervalo do chegar e do partir.

“Foi pois um milagre, sou novo S. José?”

“Não, Senhor Marido, foi apenas a neve;

Comi-a certa vez por não estar ao pé

Da cantarinha onde beber se deve;

Então loguinho me soube abençoada;

O menino nasceu sem dar por nada

Foi a neve, Marido, foi a neve !”

Passaram quinze dias sem nevar

E ao décimo sexto disse o Homem

“Por regos e valados vou caçar

E levo este menino a ensinar

Honras e regras que se tomem”

Passaram oito dias sem voltar

Oito dias de sol severo e quente.

No regresso, o Homem vinha só

Ouviu-se a Mulher ranger de dó

E perguntar agora em tom diferente:

“ O Menino, que fizeste ao menino?”

“Que fiz, Mulher? (hoje está quente…)

Vi-o trepar com muito pouco tino

Na direcção do alto e do Destino

Ainda lhe gritei – “Menino da Neve,

Menino da Neve, nem mão nem pé

Devem passar por onde se não deve;

Mas ele foi subindo a caminho do céu

Mulher, o que aconteceu ao teu Menino?

Decerto o mesmo que finou o amor meu

Mulher, teu Menino de Neve … derreteu.

3 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Seu conto, Professor, mostra no fundo
que tudo quanto seja fingimento
não tem qualquer sucesso neste mundo
por manifesta falta de argumento!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Sob o efeito do calor
toda a neve se derrete:
tudo o que não tem valor
tem por destino a retrete!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Perante a literatice
da nossa praça académica,
esclerosada e anémica,
ou balofa doutorice,
o que valendo nos vai,
Professor, são seus escritos,
originais e bonitos,
em que a graça sobressai
com laivos de erudição
da mais fina inspiração!