Quando um “boy” – que também pode ser “girl”, mas com menor frequência – acaba um curso médio ou universitário, aos tropeções e gargarejos – um pai zeloso, um tio previdente, um amigo calculista , chama-o de parte e diz-lhe: “Agora tens de te fazer à vida ; vai inscrever-te como militante de base no partido X ou Y”. Feito isto, o “boy” – ou a “girl” menos frequentemente – terá de provar no interior do partido a sua irrecuperável imbecilidade, pelo que concerne ao acto maduro de pensar com a própria cabeça. O “boy” – falemos em moldes hermafroditas – adoptará o estilo, a argumentação e a lógica partidárias, sem jamais as questionar. Essa é, de resto, a condição para ser considerado “um dos nossos”. O único cuidado a salvaguardar é o de se saber “situar” nos momentos delicados das eleições internas. O neófito deverá saber situar-se ao lado do candidato que irá ganhar, independentemente da valia intrínseca ou da utilidade real das candidaturas em presença. Desta maneira, o “boy” irá ganhando peso real na estrutura sectária, começando a ser encarado como uma peça importante “da máquina eleitoral”. A “máquina eleitoral” é montada, com todos os matadores, na proximidade dos actos de votação nacional. No intervalo, o “boy” poderá arrastar o coirão pelos cafés, sendo conveniente, no entanto, que neles seja visto pelos correligionários a ler o jornal oficial do partido. Também deverá ter o cuidado de se afastar a sete pés de convívios comprometedores, nomeadamente com indivíduos de ambos os sexos conotados como adeptos de outras bandeiras partidárias. Mas quando é chegado o momento da montagem da “máquina eleitoral”, será conveniente que o “boy” apareça, se possível todos os dias, na sede partidária, colocando-se à disposição dos chefes para as transcendentes missões que o momento exige: colar cartazes, frequentar comícios- de preferência agitando uma grande bandeira - e insultar com muita veemência as propostas oponentes. É também de toda a conveniência que os mesmos chefes o reconheçam como um indefectível, coisa que se consegue colocando na lapela um orgulhoso emblema (sabemos de um caso onde um dos “boys” chegou ao ponto de colocar o estandarte partidário … no jardim, imitando a estratégia do velho Scolari relativamente à selecção de futebol). O “boy” terá a sua ambição consideravelmente facilitada se um ou vários dos seus hierarcas forem parentes próximos ou amigos do peito. A partir do momento em que o “boy” fique solidamente identificado como “um dos nossos”, o futuro divisar-se-á mais risonho. Ele deverá, nos primeiros tempos da ascensão, conter em limites decentes a sua legítima ambição; já será excelente se então for convidado para integrar, em nome do partido, o elenco de uma Junta de Frequesia, como vogal. A sua função será então a de provar que o executivo da Junta comporta sujeitos de outros partidos que, manifestamente, terão de ser ou inaptos, ou bandalhos, ou gatunos. Se não houver provas de nenhuma destas coisas, também não faz mal. Basta murmurá-las nos corredores da sede, pedindo alguma discrição e elegante tolerância. Depois disto, o “boy” procurará acercar-se, agora por direito de conquista, da mesa das almoçaradas dos tribunos mais qualificados, podendo aí apanhar umas leves pielas e proferindo dislates de segundo grau. A glória chegará quando a Concelhia ou a Distrital o distinguir com o formal convite de assimilação. Nessa altura, ele já será “um dos nossos”, o que arrasta a agradável consequência de estar doravante liberto da rude tarefa de colar cartazes e da ingente responsabilidade de chamar em voz alta “filho da …” ao chefe do governo ou ao Presidente da República do partido oposto. Ser-lhe-á então explicado, de mansinho e à puridade, que o convívio com gente do outro partido rotativo até é tolerável e útil, se for feito recatadamente e com o desígnio de fazer funcionar “o sistema”. O “boy” está então maduro. Ele não sabe nada de nada; nunca exerceu qualquer profissão; é um asno chapado ; tem da Cultura a óptica que lhe é dada pela leitura das “gordas” da “Bola” ou do “Record” ; nunca leu um livro completo de Eça, de Aquilino, de Ramalho, de Lídia Jorge, de José Cardoso Pires, nunca passou por uma só estrofe de Camões, por um magro verso de Cesário, por um isolado soneto de Bocage – mas, sendo imperativo, cita-os a todos, canhestramente, com a mesma prosápia com que um emigrante bem sucedido mostra o automóvel comprado para deslumbrar os vizinhos, no torna-viagem. O “boy” é agora, por mérito próprio, um verdadeiro “político” do sistema “partidocrático”. É um inútil social, um ignorante insanável, um paspalho insuportável, a rebentar presunção pelas costuras da acanhada alma. É também o exemplo demonstrável da intolerância e da vesga visão da realidade, em todas as suas implicações. Ou seja : está preparado para ser vereador, presidente da Câmara, secretário de Estado, ministro ou Presidente duma “republiqueta”, ao serviço deste “sistema que infelizmente nos rege”.
20 de julho de 2011
ANATOMIA DO "BOY"
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