22 de outubro de 2011

UM CLÁSSICO BANZÉ

Parece que Alcibíades se ofereceu a Sócrates. Sim, ofereceu-se-lhe fisicamente, tal despudorado ! Não sei bem se tal ocorreu no decurso do “Banquete” de Platão ou na ponte pênsil por onde transitava o pessoal que seguia para uma das numerosas festas dionisíacas. O que sei é que tamanha desvergonha foi muito comentada por gente que deambulava pela ágora de Atenas. Constou que Diógenes, o Cínico, mal se tornou sabedor de tal rumor, deu-se a acariciar o sexo, não se desse o caso de tal convite lhe poder ser também dirigido. Foi no dia em que Epicuro comia uvas bem sazonadas com ovas de peixe e uma amálgama de azeitonas sem caroço e de medronhos esmagados. Também por ali deambulava o satirista Aristófanes, congeminando já o entrecho a “Lisístrata”, peça futura na qual as mulheres negavam comércio carnal aos seus senhores guerreiros, a menos que eles deixassem de combater. Foi então que irrompeu, lépido, um seguidor de Heraclito, que forcejava por levar ao pasmo a maior parte dos que se pacientavam para lhe escutar a fala. Este só declarava, enfaticamente, mas tão repetido como o chiar das rodas dos carros: “Tudo muda, tudo muda; e o segredo do saber está no conhecimento da mudança”. As mulheres, sobretudo essas, acotovelavam-se, muito cúmplices, sem saber se esse cenário de mudança projectava um mundo de suspeitas sobre a veracidade da luxúria de Alcibíades ou sobre a mansa recusa de Sócrates. E diziam as mulheres umas para as outras: “ O Alcibíades deve desejar que Sócrates com ele pratique sexo anal ao mesmo tempo que lhe recita aquela história de se chegar à verdade através de partos mentais”; “nada disso”, declarava outra, “aquilo é um sofisma completo, bastando para tal a consideração da fealdade de Sócrates, a sua idade, e o equívoco convívio de Alcibíades com jovenzinhos de catorze e quinze anos”. Neste momento, Platão deu-se às vistas mais distraídas. Vinha grave, mas convencido, como sempre, que era o guardião dos costumes da Cidade e o garante de tudo o que de Belo nela pudesse ocorrer. Era por isso que se ouvia, vinda de dentro da barrica de Diógenes, a interpelação reiterada: “Platão, grande cabrão, vem mexer-me aqui co’a mão”. Nunca se sabia se era Diógenes a falar ou o cão que o habitava. O que se sabia, não por efeito de boato mas por audição de mútuos dichotes, era a fundíssima desavença que lavrava entre Diógenes e Platão, troçando um do outro o mais que podiam. Mas Platão fazia-o pedindo de empréstimo a Sócrates alguma "eironia" , enquanto Diógenes o escorchava roubando a Diónisos o vinho da ira e da descompostura. Quem anotava tudo, enchendo as palmas das mãos e a barriga de inscrições, traçadas a carvão, era Aristófanes.

Não tive tempo de conhecer o desenlace disto tudo. Parece que Sócrates foi condenado à cicuta, mas não por indulgências carnais; parece que Platão surgiu mais tarde, num quadro renascentista de Rafael sobre a “Escola de Atenas”, a apontar com o dedo o céu dos pardais, como se o Empíreo lhe pertencesse ; parece que Diógenes reencarnou, nos inícios da Modernidade, em Rabelais, transmitindo-lhe o segredo do alívio de ventos intestinais, o que ditou acumulações de más vontades e de cheiros fétidos; parece que os discípulos de Heraclito continuam, ainda hoje, como relógios falantes, a debitar a máxima segundo a qual o segredo do conhecimento consiste em dizer que tudo muda, silenciando, porém, a natureza e o sentido desse mudar; parece que Alcibíades já reivindicava, ao tempo, direitos de adopção sobre os meninos órfãos da ágora.

Nesta parlenda, a única conclusão segura é esta: Aristófanes escreveu mesmo a “Lisístrata” e as mulheres de todos os tempos conseguem suster todas as guerras masculinas, oferecendo aos machos o que têm entre as pernas.

3 comentários:

João de Castro Nunes disse...

É bem de ver, Prof4ssor,
que esse tipo de indecência
só mudou de residência
entre nós para pior!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Às mudanças de Heraclito,
como a única verdade,
a nossa sociedade
fez-lhes um grande manguito!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Dada a forma realista
como os refere, Doutor,
eu quase iria supor
qur os conhecera de vista!

JCN