21 de fevereiro de 2007

TEMPOS DE PREMONIÇÃO

“O mundo está cheio de sinais!”. Era isto que pensavam os que se dirigiam a Delfos, ao templo onde a Pítia era acometida por furores estranhos, colocados ao serviço de sagrados palpites. “O mundo está cheio de sinais”, sim, mas nós não os vemos. E se os vemos, não os sabemos interpretar. E se os interpretamos, não os sabemos gerir. Um dos surrealistas de boa cepa, Roger Vitrac, escreveu um dia uma peça profética : Victor ou as Crianças no Poder. Era um sinal premonitório tão certeiro como o foi o retrato de Apollinaire pintado por Giorgio De Chirico. É uma peça perturbante, melhor dito, são duas peças perturbantes : a de Vitrac e a de De Chirico. Nesta última, Apollinaire é representado em dois registos gráficos: o da frente semelha uma Vénus clássica, mas ostenta óculos escuros, como se Appollinaire fora cego. A cegueira, na Cultura Clássica era um sinal de sapiência (Homero também ficara cego, talvez antes de escrever a Ilíada e a Odisseia). Mas De Chirico desenha em fundo, à maneira das sombras chinesas, um segundo Apollinaire, de perfil. E este apresenta um alvo na têmpora: o alvo com que uma bombarda o iria ferir, no decurso da Primeira Grande Guerra, ou seja, no decurso da primeira passagem de Victor pelo Poder. “O Mundo está cheio de sinais” e a Pítia de Delfos revolve-se de cada vez que recebe em cheio o sopro íntimo, vulcânico, sulfuroso da terra. Será um acaso se em português a têmpora de Apollinaire, sem o circunflexo , faça lembrar a maldição do “Oh tempora, oh mores !” – “oh, tempos, oh costumes !” – que os estudantinhos do meu tempo e eu próprio traduzíamos assim : “Oh, tempo das amoras …” ? Será só um acaso ? Os sondadores dos sinais, pelo menos aqueles em quem eu poderia confiar, morreram. Morreram, ouviram?Morreu Marx, e Apollinaire, e Aragon, e André Breton e Salvador Dali, e Freud, e De Chirico e Max Ernst. Quem não morreu foi a Pítia de Delfos, revolvendo-se, cataléptica, no chão. É ela que procura impedir a terceira (e fatal?) tomada do Poder por Victor, criança de revólver em punho, a querer jogar à roleta russa. Resta a Pítia, enroscando-se no chão ou numa erecta postura alucinada, lançando ao mundo avisos sibilinos e tão certeiros quanto os da têmpora antecipada de Apollinaire, na pintura de De Chirico.

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