30 de abril de 2007

A MINHA DÚVIDA (COM RÉGIO EM FUNDO)

Para a Filomena Melo Cardoso

Era Jacob lutando com o Anjo,
Era Benilde ou a Virgem Maternal
E um Cristo partido por entre o silvo
Do vento em Portalegre.
Era um hálito de Deus
Vacilando na cerúlea madrugada
Sem que o tivessemos certo e vivo
No Gólgota da Judeia
No sacrário da capela
Ou na arca dorida do peito.
Mas era também só Ele que ficava
No arfar do vento alentejano
No rasto de Jacob
Na face sofrida , tormentosa
Da Virgem-Mãe
Ou até no madeiro carcomido
Desse Cristo quebrado
Desse Rabi maneta e tão patético
Na noite fria, desalentada
De um inverno em Portalegre.
És voz de raiva,
Régio sem reino,
Voz de insubmissa submissão
De pura, decantada raiva
Por saberes tão claramente
Que vais morrer de vez,
Sem remissão
Sem que ninguém de ti
Possa dizer "Ressuscitou,
Não está aqui".
Sim, tu morrerás
Por entre sombras frouxas
Duma cerúlea, vacilante madrugada.
Mas Ele, esse Rabi chagado,
Alanceado
Esse ficará,
Para sempre ficará
Na mudez, na tartamudez enigmática
Do que pode prometer-te
Contra o preço do teu próprio funeral.
Por isso fazes ranger por tal modo
Esses dentes e esses versos torturados,
Régio, solitário Régio
Raivoso, reverente e sem reino :
"Meu Deus, quando serei tu ?"
"Até que o morto ... choveu"
Primeiro, Prometeu ;
Depois, mórbido panteísmo
Em mutação metereológica...
Enquanto o vento anda e ciranda
Em Portalegre cidade,
Deus e o Diabo continuam,
Infatigáveis,
Tecendo a dúvida
(Tonta, aberrante,
Tão contraditória
Como uma qualquer
Divindade maneta
Como um qualquer
Cornudo Belzebu)
Do que poderemos ser
Quando o não-ser vier
Por uma fria, agreste,
Idiota madrugada
Indiferente aos nossos olhos,
Para sempre cerrados.



1 comentário:

Anónimo disse...

Querido Amigo,
Não são os anos mas os amigos, as pessoas importantes que passam pela nossa vida, que nos fazem crescer.
Tinha então quinze anos. Nas margens do Vouga recitavas Régio pondo ênfase no verso "...que eu vivo com o mesmo sem-vontade..." Os teus dezoito anos estavam cheios de dúvidas (que adolescente não as tem?)e de certezas: não irias pelo fácil, pela mediocridade, pelo oco.
É muito bom que, ao fim de tantos anos, com encontros e desencontros e embora de longe, continuemos a saber um do outro.
Atingiste o que naquela altura não sabias: o conhecimento, a cultura, o destaque.
Continua, Amadeu Zé. Ainda tens muito para nos ensinar.
Filomena