8 de abril de 2007

MISERERE NOBIS !


De toda a vez
Que a vida nos dá tréguas
Para pensar com lucidez
Ficamos prisioneiros
Do que não queremos dizer.
A vida fez-nos assim
Vulgares e previsíveis
Como um relógio de ponto.
Enumeramos cá dentro
O rol inconfessável
Das banalidades retraídas.
Vivem desse embaraço
Os divãs dos psicanalistas
E os passeios dominicais
De uns poucos casais
Conformados
À repetição de itinerários
Consabidos.
Quantas vezes fazemos nosso
O academismo de Millet
Sem perguntar:
Porquê?
Quando pedimos tréguas p'ra pensar
A vida que vivemos
Zumbe-nos aos ouvidos
O negro e gordo besouro
Do tédio.
É um pobre tédio
Silencioso e nédio...
O exame de condução
É sempre mais importante
Que o exame de nós próprios.
E as impreteríveis luzes da cidade
Iluminam das vinte e uma
Às sete:
Que consolação!
Hipermercados existem
Que nos abastecem
As prateleiras do ventre
Em pagamentos diferidos.
É só passar o cheque
Deixar a direcção
Com telefone
E pendurar a alma
No átrio das pipocas.
Não há desvão
Que o segurança não inquira
Enquanto confere diligente
As embalagens dos secos
E molhados.
É então que lucidamente
Pedimos tréguas
Ao acto de pensar.
Miserere nobis!

1 comentário:

Anónimo disse...

É, o tédio não nos dá tréguas. Mas todos sabemos disfarçar muito bem...

Mais uma vez: parabéns e obrigado por partilhares connosco as tuas palavras e emoções.