30 de março de 2007

DO HUMOR








Addison quis um dia caracterizar o Humor, contando uma história. Referiu ele que a Verdade fundou uma família de que nasceu o Bom Senso. Este gerou o Espírito, que, por seu turno, se casou com uma donzela chamada Alegria. O primogénito deste enlace foi o Humor.
Filho do Espírito e da Alegria, o Humor nasceu com o código genético e com os cruzados temperamentos dos progenitores. O Espírito observa, analisa, compara e pondera. A Alegria desliza sobre as coisas e mantém para consigo e para com todos os demais um descomprometimento um pouco estouvado. O pai Espírito não deseja precipitar-se. Por isso, como bom chefe de família, preocupa-se com os gastos da casa e com a segurança do grupo familiar. Dirá ele, como todos os bons chefes de família, que os tempos não vão para brincadeiras; por isso, terá de haver contenção de gastos e tento na administração da vida. A mãe Alegria é um pouco como a cigarra da fábula. Por isso lhe replica: - Ora essa! A vida são dois dias e um deles já está a mais de meio; além do mais, os antigos afirmavam (e bem) que de hora a hora Deus melhora.
O casal deu-se bem, ainda que nem sempre tivesse reinado a concordância. Quanto ao Humor, herdara do pai um fundo de nostalgia melancólica, disfarçado por uma garridice de comportamento que denunciava a costela materna.
Entendemos agora que todos os grandes humoristas tenham de equilibrar-se na corda tensa da análise racional e da bonomia risonha. Eles não nos fazem rir a bandeiras despregadas. Fazem-nos apenas (apenas?) sorrir. Lembram-se de Buster Keaton? De Charlot? Mesmo até do Bucha e do Estica? Não verificamos, se estivermos atentos, que sobre eles paira uma nuvem de incongruência quase trágica? Keaton faz rir sem que ele próprio esboce um rasgado sorriso. Charlie Chaplin, na melhor fase dos primórdios, secava as lágrimas à jovem paralítica que queria ser dançarina, ou então iludia a sua fome e a de um garoto adorável. Laurel e Hardy foram os desprevenidos e inocentes trapalhões dum mundo que dificilmente os suportou e acolheu. Sim, é isso: o humorista é um comentador de uma plateia que sorrirá com os seus jocundos comentários, mal se apercebendo do discreto fio da sua filosofia sem ilusões. É que, na cumplicidade destes sorrisos, ficarão suspensas, ao menos por instantes, as duras fatalidades da condição humana.

2 comentários:

Meg disse...

Por debaixo do nervosismo da condição humana, em face dos golpes com que a vida brinda qualquer "desgraçado" que nela caminha, tem-se demonstrado o humor como a forma mais eficaz para o "sofredor" rasteirar o seu semelhante, numa atitude de legítima defesa, contrapondo o outro pelo sarcasmo. Serve de desdém e de alívio, de ataque e de terapia, já que os divãs dos psicanalistas são manifestamente caros e restringem-se num só espectador assistido a uma actuação idiota em apenas quatro paredes. Afinal todos sabemos ser palhaços e todos nascemos apetrechados geneticamente com o sorriso.Bem hajam as gargalhadas.
Um abraço

Luís Alves de Fraga disse...

Esta sua postagem faz-me lembrar uma estória ocorrida entre dois militares, um deles humorista (sempre e nas horas vagas, também): Gomes da Costa e André Brun. O humorista era, naturalmente, este último!
Conto como foi.
Houve uma exposição de pintura em Lisboa. Ambos visitaram-na só que primeiro o capitão de infantaria André Brun. Escreveu qualquer comentário no livro a isso destinado e assinou: André Brun, humorista. Vem o coronel Gomes da Costa e, ao passar os olhos pelo que os anteriores visitantes haviam escrito, topou com o do capitão.
Um belo dia, encontrou Brun e perguntou-lhe: - Então o senhor tem vergonha de ser capitão? E recordou-lhe o episódio, ao que André Brun respondeu prontamente: - Saiba V. Exa, meu coronel, que capitães de infantaria há 328 em Portugal e humorista somos muito poucos!
André Brun, o autor da comédia «A Vizinha do Lado» entre outras sátiras ao seu tempo, caminhando na corda tensa de que fala, soube encurralar o velho e pedante militar que, no silêncio que se seguiu, reconheceu a lógica do bom senso e o trejeito do ridículo.
Não sou, não quero ser, um saudosista, mas perante tanto palhaço, que se intitula humorista, que tenta penetrar nas nossas casas com o dito ordinário, brejeiro e de baixo gosto popular divulgado pelas televisões falhas de bom senso e equilíbrio, pergunto-me se não será preferível ser-se capitão de infantaria?