O protagonista da ditadura mansa que antecedeu o actual regime, António de Oliveira Salazar, acaba de ser votado num concurso televisivo como o maior dos portugueses de todos os tempos. É um assunto que irá ocupar a opinião pública no decurso das semanas mais próximas e que depois, esgotado o tempo útil da venda de papel impresso e do blá-blá dos "mentideros", passará à situação supranumerária dos factos irrelevantes.
Contudo, a vitória de Salazar é sintoma de várias coisas. Ela foi desde logo preparada por uma completa mobilização dos estratos sociais minoritários, saudosos desse antigo regime. Não constitui um mero acaso, em nosso entender, que tenha pouco antes aparecido na Internet um “sítio”, tecnicamente bem feito, economicamente dispendioso e esteticamente pretensioso (com a música de Wagner em fundo), o qual apresentava o ditador de Santa Comba como “o obreiro da Pátria” (caso o leitor pretenda inteirar-se, poderá procurar em http://oliveirasalazar.org). Por outro lado, temos também como pouco inocente a polémica, surgida precisamente no lapso do tempo útil em que decorreu o concurso, sobre um pretenso museu de Salazar, designação que depois foi apressadamente mudada para museu do Estado Novo, a erigir na casa de família do governante do Vimieiro. Mas também não constitui para nós uma simples coincidência o facto do aludido “sítio” na Internet apresentar, logo na sua página de rosto, uma alusão a um tal Museu On-Line Dr. Oliveira Salazar. Há quem pretenda fazer de Salazar uma peça museológica, coisa que o mesmo merece amplamente …
Sendo este grupo de apologetas um núcleo activo, até mesmo combativo (como se observou nos confrontos e manifestações de Santa Comba), supomo-lo, não obstante, pouco numeroso e, pelo menos por enquanto, relativamente inócuo no plano político. É nossa convicção que muitos dos que fizeram de Salazar o maior português de todos os tempos são – e irão continuar a ser – não salazaristas. Preferimos a expressão à de anti-salazaristas, pois esta pressupõe uma vivência concreta e um conhecimento adequado do que foi o período salazarista, apontando, portanto, para uma militância e para uma convicção profunda que só é detida por quem viu, por quem viveu e por quem sentiu as realidades sociológicas, políticas e culturais do Estado Novo. E cremos que esta não foi a realidade cognitiva de uma boa parte dos votantes. A ser verdade isto, tem cabimento a pergunta seguidamente formulada : então, por que razão votaram deste modo?
A revolução de 25 de Abril de 1974 criou expectativas muito ambiciosas em quase todos os grupos sociais. A maioria dos portugueses acreditou piamente que o novo regime democrático iria ser capaz de criar o tal Portugal mais livre, mais justo e mais fraterno que era unanimemente prometido por todos os partidos políticos, da direita à esquerda. À medida que o tempo foi passando, os descrentes rejubilaram, os crentes desiludiram-se e os indiferentes irritaram-se. A emergência de uma nova classe política muito mais devorista do que a do salazarismo, muito menos escrupulosa do que ela e muito mais boçal do que a que tinha sustentado o Estado Novo, levou o cidadão comum a interrogar-se sobre se valeria a pena defender o regime. A resposta está dada, mas implica que se introduza uma pequena correcção. Os portugueses votantes no concurso televisivo sobre o maior dos portugueses declararam que o actual regime não vale a pena, servindo-se de Salazar e do salazarismo como uma espécie de cavalo-marinho com que entenderam zurzir presidentes, ministros, deputados, autarcas, administradores de empresas públicas, dirigentes futebolísticos, deputados e demais tropa fandanga que por aí prolifera. Foi uma forma de dizerem a todos eles: vocês, definitivamente, não prestam; vocês são piores do que Salazar e a sua gente.
Mas haverá que introduzir a tal correcção: quem votou foi o sector social que teve tempo disponível para acompanhar o programa, pachorra para ouvir os depoentes, instrução para lhes descodificar as mensagens e vivacidade para resistir a emissões que se estiravam até depois da meia-noite. Ou seja: quem votou foi a alta, a média e uma parte da pequena burguesia. Não foi o Povo que se levanta às seis da manhã, que moureja durante dez horas de trabalho, que se transporta aos domicílios, em vagões ou autocarros incómodos, a cabecear de sono, que tem de se levantar com o nascer da aurora no dia seguinte para voltar a lutar pela vida e que pouco sabe dessa coisa do tal Salazar e dos seus “rapazes”.
Significa isto que a advertência seja negligenciável? Certamente que não. É que quem votou é a parte que mais activamente contribui para a estruturação da opinião pública. Por isso, menosprezar ou minimizar o veredicto poderá constituir um erro de palmatória. Apesar disto, estamos convencidos que os actuais “beneficiários do sistema político”, que não se identificam com o comum das pessoas, sendo antes a casta dos que refocilam na gamela do privilégio, da conezia do segundo e do terceiro vencimento oficial, da benesse do conselho de administração, da desigualdade da reforma que chega muito mais cedo do que a dos demais concidadãos, do cartão de crédito generosíssimo, do telemóvel sem plataforma de gastos, da viatura de serviço para transportar a “madame” e os “meninos”, da negociata que produz dinheiros sujos, recebidos por debaixo da mesa, e de todos os demais tripúdios da vergonha e da dignidade cívicas, estamos convencidos que toda essa gente permanecerá indiferente ao ocorrido. É que a Europa, esta Europa, tal como se nos apresenta, não está conosco: está com eles. E enquanto for assim, o jogo de Salazar é uma simples distracção televisiva, para consumo interno. Mas é bom que tal gente vá ficando mais atenta. Um dia, o jogo do Salazar pode não ser a feijões …
Contudo, a vitória de Salazar é sintoma de várias coisas. Ela foi desde logo preparada por uma completa mobilização dos estratos sociais minoritários, saudosos desse antigo regime. Não constitui um mero acaso, em nosso entender, que tenha pouco antes aparecido na Internet um “sítio”, tecnicamente bem feito, economicamente dispendioso e esteticamente pretensioso (com a música de Wagner em fundo), o qual apresentava o ditador de Santa Comba como “o obreiro da Pátria” (caso o leitor pretenda inteirar-se, poderá procurar em http://oliveirasalazar.org). Por outro lado, temos também como pouco inocente a polémica, surgida precisamente no lapso do tempo útil em que decorreu o concurso, sobre um pretenso museu de Salazar, designação que depois foi apressadamente mudada para museu do Estado Novo, a erigir na casa de família do governante do Vimieiro. Mas também não constitui para nós uma simples coincidência o facto do aludido “sítio” na Internet apresentar, logo na sua página de rosto, uma alusão a um tal Museu On-Line Dr. Oliveira Salazar. Há quem pretenda fazer de Salazar uma peça museológica, coisa que o mesmo merece amplamente …
Sendo este grupo de apologetas um núcleo activo, até mesmo combativo (como se observou nos confrontos e manifestações de Santa Comba), supomo-lo, não obstante, pouco numeroso e, pelo menos por enquanto, relativamente inócuo no plano político. É nossa convicção que muitos dos que fizeram de Salazar o maior português de todos os tempos são – e irão continuar a ser – não salazaristas. Preferimos a expressão à de anti-salazaristas, pois esta pressupõe uma vivência concreta e um conhecimento adequado do que foi o período salazarista, apontando, portanto, para uma militância e para uma convicção profunda que só é detida por quem viu, por quem viveu e por quem sentiu as realidades sociológicas, políticas e culturais do Estado Novo. E cremos que esta não foi a realidade cognitiva de uma boa parte dos votantes. A ser verdade isto, tem cabimento a pergunta seguidamente formulada : então, por que razão votaram deste modo?
A revolução de 25 de Abril de 1974 criou expectativas muito ambiciosas em quase todos os grupos sociais. A maioria dos portugueses acreditou piamente que o novo regime democrático iria ser capaz de criar o tal Portugal mais livre, mais justo e mais fraterno que era unanimemente prometido por todos os partidos políticos, da direita à esquerda. À medida que o tempo foi passando, os descrentes rejubilaram, os crentes desiludiram-se e os indiferentes irritaram-se. A emergência de uma nova classe política muito mais devorista do que a do salazarismo, muito menos escrupulosa do que ela e muito mais boçal do que a que tinha sustentado o Estado Novo, levou o cidadão comum a interrogar-se sobre se valeria a pena defender o regime. A resposta está dada, mas implica que se introduza uma pequena correcção. Os portugueses votantes no concurso televisivo sobre o maior dos portugueses declararam que o actual regime não vale a pena, servindo-se de Salazar e do salazarismo como uma espécie de cavalo-marinho com que entenderam zurzir presidentes, ministros, deputados, autarcas, administradores de empresas públicas, dirigentes futebolísticos, deputados e demais tropa fandanga que por aí prolifera. Foi uma forma de dizerem a todos eles: vocês, definitivamente, não prestam; vocês são piores do que Salazar e a sua gente.
Mas haverá que introduzir a tal correcção: quem votou foi o sector social que teve tempo disponível para acompanhar o programa, pachorra para ouvir os depoentes, instrução para lhes descodificar as mensagens e vivacidade para resistir a emissões que se estiravam até depois da meia-noite. Ou seja: quem votou foi a alta, a média e uma parte da pequena burguesia. Não foi o Povo que se levanta às seis da manhã, que moureja durante dez horas de trabalho, que se transporta aos domicílios, em vagões ou autocarros incómodos, a cabecear de sono, que tem de se levantar com o nascer da aurora no dia seguinte para voltar a lutar pela vida e que pouco sabe dessa coisa do tal Salazar e dos seus “rapazes”.
Significa isto que a advertência seja negligenciável? Certamente que não. É que quem votou é a parte que mais activamente contribui para a estruturação da opinião pública. Por isso, menosprezar ou minimizar o veredicto poderá constituir um erro de palmatória. Apesar disto, estamos convencidos que os actuais “beneficiários do sistema político”, que não se identificam com o comum das pessoas, sendo antes a casta dos que refocilam na gamela do privilégio, da conezia do segundo e do terceiro vencimento oficial, da benesse do conselho de administração, da desigualdade da reforma que chega muito mais cedo do que a dos demais concidadãos, do cartão de crédito generosíssimo, do telemóvel sem plataforma de gastos, da viatura de serviço para transportar a “madame” e os “meninos”, da negociata que produz dinheiros sujos, recebidos por debaixo da mesa, e de todos os demais tripúdios da vergonha e da dignidade cívicas, estamos convencidos que toda essa gente permanecerá indiferente ao ocorrido. É que a Europa, esta Europa, tal como se nos apresenta, não está conosco: está com eles. E enquanto for assim, o jogo de Salazar é uma simples distracção televisiva, para consumo interno. Mas é bom que tal gente vá ficando mais atenta. Um dia, o jogo do Salazar pode não ser a feijões …
5 comentários:
Parece-me detectar nesta e noutras explicações, uma certa tendência carrilhiana para recorrer a teorias da conspiração, cabalas e bodes expiatórios, para aquilo que é muito simples: o Salazar foi o mais votado, porque teve mais gente a votar nele, e os outros candidatos tiveram menos votos, ponto final parágrafo.
Todas as explicações, leituras sociológicas, deduções políticas, etc. esbarram sempre nesta verdade palissiana incontornável. Tal como todos os defeitos, fraquezas, crimes que se lhe atribuem (ou pretendem atribuir), têm como contra-ponto a obra feita e a frieza dura dos indicadores económico-financeiros do seu período de governação. Como dizia James Carville, estratega da campanha presidencial de Bill clinton, em 1992, contra George H. W. Bush: "it's the economy, stupid"
A "grandeza" dos Portugueses do passado não é algo que se decida pelo voto, mas sim pelo "honesto estudo" dos profissionais da História; e é lamentável que alguns tenham dado cobertura 'científica' a este triste conjunto de equívocos, a esta realização da nossa QUERIDA TV que nunca deveria ter tido lugar ! E já agora: sabe o Sr. zl quem foi o "chefe do Estado" português mais tempo no poder ? Foi D. João I (1384-1433), que ficou a meses dos 50 anos de reinado. Sempre são umas boas 'casas' acima do Doutor Salazar (40 anos consecutivos no Executivo, 36 dos quais como chefe do Governo) em termos de longevidade política !
Com os melhores cumprimentos
Armando Luís de Carvalho Homem.
Caro Amigo,
Ainda hoje, no jornal «Correio da Manhã», de Lisboa, e que, como matutino, vale o que vale, vem mais uma notícia sobre o concurso da «nossa» ignorância, do «nosso» espírito de vingança (mesquinho e cobarde, porque sem a grandeza da frontalidade), da «nossa» falta de amor próprio e, acima de tudo, da «nossa» ausência de verticalidade enquanto colectivo ou, para melhor se compreender, como Povo.
Um senhor (ou senhora) que aqui se identifica como ZL deixou bem patente no seu blog o que acabo de dizer. «Salazar foi o mais votado»! E di-lo com a arrogância de quem “leva o rei na barriga” chegando ao ponto de, por interposta pessoa, chamar estúpido (em inglês, claro) a todo aquele que discordar da sua estúpida afirmação.
A Senhora D. Maria Elisa (agora, talvez por mero acaso, já publicamente Domingues) deu rosto e, como dizem os Brasileiros, deu a cara, ao mais subversivo concurso de televisão dos últimos trinta e três anos, sem cuidar de avaliar – como mulher inteligente que é – os nocivos efeitos da sua atitude. É pena que assim tenha acontecido!
Este concurso foi subversivo, porque, num país de recente ascensão à democracia – trinta anos não é nada para erradicar os efeitos de quarenta e oito de ditadura fascizante – possibilitou a abertura de nociva visibilidade a um ditador que não está esquecido ou devidamente «cristalizado» pelo tempo histórico de modo a não exercer nefastas consequências no tecido social português.
Não se trata aqui de um problema de História, mas de uma questão de Sociologia Política.
Num entendimento anacrónico da História, ditador foi-o, também, Marquês de Pombal e, antes, D. João II, mas o que interessa é que os efeitos dos actos menos «humanos» e/ou menos «democráticos» de ambos estão apagados pelo tempo e hoje já não há quem venha defender o despotismo esclarecido – tal como foi entendido no século XVIII – nem a centralização do Poder com as características aceites no início do Renascimento. Eis porque, agora, sociológica e politologicamente, surgem como figuras inócuas D. João II e o Marquês de Pombal. Ora, outro tanto não acontece com Salazar. A lembrança das atrocidades que autorizou ou mandou executar em nome de uma Nação cujo Povo ele não escutava e entendia representar em absoluto está bem viva em muitos de nós. Como ditador, foi tão cruel como todos os outros seus contemporâneos e todos os que se lhe seguiram por esse mundo fora sem distinção de cor de pele, credo político ou religioso.
Por tudo isto, ao lançar o programa, a RTP – estação vocacionada para a prestação de serviços públicos – deveria ter excluído o nome de Salazar da lista, tal como foi excluído o de Hitler, na Alemanha. Era a única sensata e louvável atitude a ser tomada. Não o fazendo, deixou que mais uma mancha escura se colasse à parede, que se desejava alva, da Democracia.
A única consolação que resta aos democratas é que Salazar está morto. A única coisa que está bem viva é uma direita pauliteira, que não ganha eleições, mas está organizada e tem dinheiro e disponibilidade para fazer telefonemas para um mero discurso televisivo. Só há nisto tudo uma coisa que me incomoda: será que a Democracia está a ser suficiente pedagógica com as novas gerações??
De facto, "um dia o jogo do Salazar pode não ser a feijões", o que é deveras preocupante.Ao contrário do que afirma, de forma acrítica, o Sr. ZL, há que reflectir acerca dos resultados desta votação, quaisquer que tenham sido os votantes.
Em primeiro lugar, o ponto de partida deste concurso parece-me perfeitamente desadequado dos objectivos defendidos pela Nova História. O que é isso do melhor português? Será que voltámos à História dos reis e das rainhas? E as massas anónimas não fazem História? Não deixaremos todos o nosso rasto?
Por outro lado, o português eleito não foi qualquer um...e faz-me pensar. Salazar foi um ditador! O seu governo cerceou as liberdades individuais, perseguiu homens e mulheres de grande valor, fomentou a violência, a desigualdade, a ubiquidade do medo. Levou uma série de pessoas a serem tratadas como supérfluas, sem espaço num país que também lhes pertencia. Foi o grande defensor do carácter rural e boçal que o nosso país ainda hoje apresenta.
Eleger Salazar como O PORTUGUÊS é, pois, deveras preocupante, em especial quando um dos nossos maiores defensores dos Direitos Humanos, Aristides Sousa Mendes, acabou por ficar para trás.
Este facto parece-me revelador do declínio da confiança dos cidadãos portugueses nos seus representantes.Apelando, à memória histórica, é de não esquecer que foi em momentos de descrédito nas democracias e em fases de grande aperto económico que os regimes ditatoriais avançaram. Não estaremos a viver um momento semelhante?Foi o que pensei ao ver , na nossa "querida TV" o seguinte dito: "Salazar: ditador...ou salvador"? Será que Portugal está de novo à espera do salvador da pátria?
Parece-me que há que mudar rapidamente as lógicas do poder, uma vez que ele deve ser a aptidão humana para agir em conjunto para o bem comum. Isto pressupõe um projecto de vida e de governo que requeira uma cidadania apta a comunicar e a avaliar o que se passa na praça pública, através do direito à informação e à transparência de processos. Tal situação não ocorria durante o governo salazarista. Tristemente também não acontece agora. Para além do mais, existe em Portugal um enorme défice de cidadania... e também de um pouco de vergonha. Porque se ela existisse, este concurso-deveras sintomático, em minha opinião-, não teria certamente ocorrido.
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