2 de junho de 2007

ATÉ SEMPRE, JOHN WAYNE !

Era um homem bastante alto, de olhar frontal e passo cadenciado. Era cowboy e ostentava nos filmes nomes vários . Mas todos sabíamos que não havia outro igual a John Wayne. O meu Pai, cinéfilo desde os tempos da juventude, levava-me ao cinema, pela minha meninice, deixando-me ver quase todos os tipos de películas. Mas, entre todas, as preferidas eram aquelas em que aparecia John Wayne. Com ele fui aprendendo que havia causas, lutas sem quartel que tinham de ser travadas e levadas às últimas consequências, sem pestanejar, mesmo que tivéssemos de arriscar a pele em momentos decisivos. Com ele fiz muito meu um infantil e simplista maniqueísmo: o mundo estava dividido entre os bons e os maus, sendo os primeiros, mais do que bons, sem mácula, e os segundos, mais do que maus, sem sombra de pudor ou de clemência. Era impensável que John Wayne pudesse ser derrotado, ou falhasse aquele tiro certeiro, decisivo, com que haveria de tirar para sempre a vida ao pérfido Liberty Valance. Neste mundo, pintado a preto e branco, mesmo quando o filme nos avisava do seu technicolor, havia um elemento complicativo e, durante muito tempo, para mim, difícil de arrumar. Este elemento era o que se referia aos índios. Eu gostava dos índios: das penas que eles entrançavam nos cabelos, da figura imponente de Sitting Bull, do modo exímio como cavalgavam potros selvagens, das nómadas deslocações com que abraçavam as vastas pradarias, das preces a Manitu, força mágica que haveria de trazer a chuva e a felicidade, engravidando de esperança os jovens guerreiros da tribu. A complicação estava em que John Wayne se apresentava vezes demais como perseguidor ou adversário dos índios. Talvez por isso, foi também através dos filmes de John Wayne que eu comecei a suspeitar que talvez o mundo real, tal como de facto existe, não devesse ser pintado apenas com duas cores, o branco da pureza e da gloriosa valentia e o preto da malevolência e da vergonhosa covardia. Há dias, li num jornal que os próprios americanos se estão a esquecer da memória de John Wayne. Fiquei triste. E creio até que os europeus e os americanos da minha idade não deixarão de lastimar esta subalternização daquele que foi um ícone inesquecível da minha geração. É certo que seria impossível visionar um John Wayne actualizado, sentado à mesa de um saloon, digitando um computador ou manejando um telemóvel. A questão está em saber a quem irão recorrer os jovens de hoje para discriminarem entre os heróis e os poltrões; e quais serão os índios por quem as novas gentes , herdeiras deste tempo incerto, se irão apaixonar, para através deles aprenderem que se pode amar o diferente e distribuir pelas margens da sensibilidade as torrentes de um bem-querer periférico. Até sempre, até sempre John Wayne !

1 comentário:

Luís Alves de Fraga disse...

Caro Amigo,
Como eu gostaria de saber responder à sua questão!
Olho à minha volta e “sinto” que já não há esse tipo de identificação, que marcou tão profundamente as nossas gerações. Estamos, cada vez mais, num mundo amoral dominado por princípios do “ter” e do “parecer”. Já quase nenhum jovem quer “ser” (as excepções com que vou topando nos meus frequentes contactos com cidadãos entre os 18 e os 30 anos são isso mesmo: excepções).
No passado – há quarenta, cinquenta, sessenta anos – começávamos por nos identificar com o núcleo básico familiar: o pai e a mãe; depois, alargávamos horizontes e íamos buscar padrões identitários às relações do núcleo básico com a ordem circundante e aprendíamos a distinguir a hierarquia da autoridade, porque os nossos pais se comportavam com os nossos avós de forma respeitosa e, por arrastamento, com toda sociedade à volta; os nossos funcionários domésticos – quem os tinha – respeitavam e ensinavam a respeitar os valores que se respiravam lá por casa. O John Wayne completava, alguns anos mais tarde, um quadro que já estava esboçado com traços bem definidos. Ele, com o seu jeito de vencedor, dava-nos o “toque” que poderia faltar a uma aparência na luta entre o bem e o mal.
Repare como se passam as coisas nos tempos de hoje.
Os pais já não podem ser núcleo básico, porque, aos 4 meses, a criança vai para o infantário onde é tratada como mais uma entre várias dezenas. As poucas horas que passa em casa é para comer e dormir. Para que não atrapalhe excessivamente, a mãe cansada de um dia de trabalho desgastante, coloca-a em frente de uma televisão onde a violência passa gratuita – a qual apreende sem que antes tenha aprendido padrões de hierarquia de autoridade. A identificação mais rápida que a criança faz é com o grupo onde impera um campo de ausência de valores igual ao que ela própria transporta. É aqui que se desenha o rumo para o “parecer”. Os pais, para tranquilizarem uma consciência que os acusa por não estarem a reproduzir um quadro educativo semelhante àquele que tiveram, compram tudo o que a criança exige. Assim, ela aprende que a relação social é fundamentada no tráfico da chantagem. Uma chantagem que a orienta para as relações futuras. Como importante é “ter”, então, à custa de todas as tropelias a criança vai “tendo” os lugares que a sua ambição ditar: na família, na escola, no grupo dos amiguinhos e junto de toda uma sociedade que está disposta a compactuar com o sistema desde que, aparentemente, exista uma ordem e uma tranquilidade assente num pacto de silêncio.
Esta criança vai crescer e, sem clara noção entre hierarquia de valores, como adulto atropelará tudo e todos para satisfazer o seu desejo de “ter”, mesmo que à custa de chantagens e de silêncios cúmplices.
Os índios, os cow-boys, e o John Wayne, gingão, duro, mas correcto, são figuras de um tempo em que as mães eram-no a tempo inteiro e os pais se assumiam como pilares fundamentais da família; um tempo em que se poderia deitar para o chão a ponta de cigarro, mas se sabia dar e pedir respeito; um tempo em que mais importante era “ser” e não “parecer”.