7 de janeiro de 2008

CULTURA KITSCH


A degradação actual de quase todas as formas mais estruturadas de pensamento conduziu-nos ao culto do improviso e da facilidade. E a mercantilização da vida oferece hoje à mediocridade uma aparência de realização que decorre de simples exercícios de contrafacção. Não são apenas as calças ou videocassetes de marca falsificada que se propõem ao consumo, em feiras de ciganos. Na grande tenda do consumo cultural português, toda a mercadoria que constitui, no seu conjunto, o espólio superior do Espírito, se encontra em almoeda. Daqui resultaram modalidades de cultura kitsch, com muito aparato e pouca substância, que forcejam por passar incólumes ao crivo da crítica exigente. No romance, na poesia, no teatro, no cinema, em todas as modalidades de comunicação valorativa (ou pseudo-valorativa), nos vão aparecendo anõezinhos de jardim ou grossas louças das Caldas, apresentados como se fossem peças de Míron ou faianças de Rafael Bordalo Pinheiro. Como é evidente, nada disto poderá enganar o especialista informado e o verdadeiro estudioso. O português escrito por Camilo Castelo Branco, por Miguel Torga ou por Aquilino Ribeiro distinguir-se-á sempre, aos olhos do mais desprevenido, da rudeza linguística e da impropriedade lexical da loquacidade galega. Queiramo-lo ou não, a produção e a fruição cultural mais intensas e acabadas estarão prometidas, como sempre, ao reduzido número dos que sabem, dos que se aplicam, dos que não se poupam ao esforço do conhecimento. Sobrarão depois, para os preguiçosos ou para os apaixonados pelo kitsch, esses delambidos romances róseos, esses vaporosos espectáculos de cinema holywoodesco, esses entremezes de fácil populismo, esse jornalismo de pacotilha, essas revistas de fado choradinho, esses desprimores de bom-gosto e de bom-senso.
E Antero de Quental terá outra vez razão, em Portugal, neste ano da graça de 2008.

2 comentários:

Luís Alves de Fraga disse...

Diz o meu Amigo que «a mercantilização da vida oferece hoje à mediocridade uma aparência de realização».
Esta é uma verdade irrefutável. É o gosto do mero consumo que dá oportunidade aos medíocres de surgirem com estatuto idêntico (na aparência, claro está!) ao de quem trabalha árdua e honestamente.
Esta tendência para valorizar o mercado e assentar o desejo em falsas necessidades geradas por processos de marketing e publicidade, leva a que todo o trabalho intelectual, que surge como fruto de uma exposição pública do autor, seja «comprado» e «apreciado» como bom quando não passa de pechisbeque. O meio que mais tem contribuído para que assim seja é, sem dúvida, a televisão.
A velha noção de «forte para durar uma vida» esvaiu-se para dar lugar a uma outra que lhe é oposta: «consuma e deite fora»
No trabalho intelectual da escrita, um Eça, um Herculano, ou como cita, um Aquilino preferiam escrever pouco para durar – melhor, perdurar – do que muito para ser esquecido; valorizavam a optimização e a verdade é que, mesmo assim, se tornaram famosos em vida, pois a obra impôs-se por ela e não por eles.
Um certo comentador televisivo escreveu há anos um romance que teve milhares de reproduções. Vinha cheio de erros históricos, escrito numa linguagem de mero rascunho, primária e nada burilada.
Todo o gato-sapato, neste país, teceu loas à obra em causa; encantou desde a simples empregadinha de supermercado até antigos Presidentes da República. Fiquei na dúvida se tínhamos lido os mesmos exemplares do mesmo livro. Fiquei, até hoje, à espera do menino capaz de dizer bem alto que o rei vai nu. E nada se diz, porque o autor é figura de consumo televisivo ou, se se põe em causa autor e obra, é mais por despeito do que como resultado de uma análise para desmitificar ambos.
Deixe estar o meu Amigo, porque estamos, ao que parece, condenados à mediocridade e se ontem foi a Igreja – como o disse Antero – a causa do obscurantismo, hoje e amanhã as responsabilidades recaem sobre o medo de reconhecer e condenar o mau produto. E desse medo padecem, com raras excepções, os sumos-sacerdotes do Saber, que são os mestres das nossas universidades.

Carlos Esperança disse...

Para que o prazer da visita se mantenha é preciso que o autor seja mais assíduo, para nos deliciar com a postura honrada no civismo e na gramática.