25 de outubro de 2008

GERIR O EGOÍSMO


Tenho de confessar que perfilho uma concepção desalentada e céptica acerca da bondade intrínseca da condição humana. Nem sequer direi, acompanhando Rousseau, que o ser humano era originariamente bom, antes de ser moralmente destruído pelas delícias convencionais da civilização. O caso, para mim, perfila-se ainda com maior dramatismo. Somos bichos egoístas desde o nascimento. Experimentemos dar brinquedos a uma criança e coloquemos uma outra a seu lado, para que ambas possam recrear-se. Aquela que primeiro identificou os objectos como seus, desde que abandonada à espontaneidade da sua imediata reacção, não permitirá que a outra lhos dispute, sequer que os utilize com posterior retorno. Ou, na melhor das hipóteses – talvez advertida por alguma voz adulta mais caridosa -, consentirá em partilhar os seus jogos, sim, mas fazendo sentir a outrem o seu incontestável estatuto dominante. Acredito no altruísmo? Sim, mas apenas como resultado derivado e reflexo de um porfiado exercício de Cultura. Por isso foi ela para mim, mais do que uma opção, um destino que quis abraçar e uma forma de minorar (sem contudo substituir) o instinto primitivo. 

Somos egoístas desde o começo e iremos manter-nos como tal até ao fim. Há implicações de natureza política que devem derivar-se desta dimensão antropológica. Estou persuadido que as propostas de organização social nada ganham em abandonar-se à ficção verbal da solidariedade, do altruísmo, da grande tirada oratória idealista, da propaganda ruidosa e estéril através da emoção. Tudo teriam a ganhar, porém, se metodicamente, implacavelmente, friamente, concebessem equações de convivência que apontassem para uma gestão criteriosa e para uma correcta ponderação dos egoísmos em luta. O Estado seria então, como foi desejado por alguns teorizadores sociais da época contemporânea, o agente moderador do Todo sobre o agenciamento individualista das partes. Ou, dito de outro modo, o obreiro do altruísmo geral possível sobre a força dispersiva das subjectividades. São estas as razões que me fazem acreditar numa Democracia Social, num Socialismo humanista e realista que não desconheça ou sofisme o Homem concreto na sua vida concreta. Aquém disto temos Darwin; além disto temos Estaline. E entre as propostas sociais de um e de outro, que o Diabo possa vir, para fazer a sua escolha.

1 comentário:

Anónimo disse...

COMPLEXIDADE

Nem tudo, Professor, é redutível
a um padrão, do homem se tratando:
há quem tenha nascido incorruptível
e quem, nascendo mau, vá melhorando.

Em cada criatura... há um mistério,
que corpo e alma abrange no seu todo:
há quem tenha pendor, no meu critério,
para a virtude ou chafurdar no lodo.

Como humanista que pretendo ser,
vejo também na "civilização"
a tábua universal da salvação.

Lembro, porém, que foi pela "cultura"
que tanto se chegou à ditadura
como hoje ao democrático poder!

João de Castro Nunes