Primeiro, foi a África a atemorizar os colonizadores costeiros: era negra e ignota, exalando eflúvios de desconhecido e de intimidação. Depois, o desafio da sua obscura identidade levou até lá aventureiros de origens desvairadas: garimpeiros, geógrafos, botânicos, geólogos, exploradores de ambições plurais. E toda esta casta de gente estava disposta a perder a própria alma, desde que ali ganhasse a descoberta do que, até então, se esquivava à dádiva do exposto e do entregue Primeiro, foi o susto de irromper em clareiras inesperadas, como se do chão se desprendesse o aroma activo da rejeição e da iminência das feras. Depois sobreveio o apelo à intrepidez individual, ao desafio lançado aos próprios limites da integridade. Tudo isto era relativamente antigo – mas também relativamente politizado, pois que a Europa já há muito havia ultrapassado a casta idade da inocência … Aos jornais e revistas de referência da Grã-Bretanha começaram a chegar, entre 1840 e 1873, as narrativas circunstanciadas das deambulações do missionário inglês David Livingstone, que fizera o reconhecimento do rio Zambeze, da lago Niassa, dos territórios do Tanganica e que se abalançara a demandar as nascentes do Congo. Em 1867, inesperadamente, a Europa foi informada de que a região de Kimberley, no meridião africano, se fazia notar pela descoberta das suas imensas jazidas diamantíferas. Os testemunhos vertidos em ouvidos profanos pelo boca-a-boca dos intrépidos regressados, somados às novidades que se foram escrevendo em revistas universitárias ou de simples divulgação, contribuíram para a lenta mudança da imagem do continente africano. A África deixou de ser identificada com o exótico continente dos miasmas doentios, com o ninho da fauna desconhecida e potencialmente perigosa, com o azulejo pitoresco de etnias locais extravagantes. Passou a ser vista, pelo contrário, como o equivalente da Terra Prometida, pronta a resgatar a angústia recessiva e paralisada do modo europeu de produção capitalista.
E Portugal? Qual era a sua resposta às novas condições e apetites da vocação colonialista? O país herdara do passado a “doutrina do pacto ou sistema colonial”. Tal doutrina era praticada por todas as potências colonialistas ou colonizadoras do tempo. Reservava-se para as metrópoles, nos seus termos, o exclusivo da transformação das matérias-primas coloniais. Isto significava que as colónias não poderiam proceder à sua industrialização, transformando os próprios recursos. Esse benefício ficava reservado, em exclusivo, para as metrópoles. A vocação da economia autóctone ficaria prisioneira de uma recolecção puramente agrária. Mas a verdade é que Portugal revogara em 1808, de forma explícita, esta doutrina. A transferência da Corte para o Rio de Janeiro, sob o pavor da invasão do exército de Junot, na primeira acometida francesa, saldara-se por uma abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional. Se antes as frotas mercantes oriundas do estrangeiro tinham obrigatoriamente de aportar a Lisboa, para aí realizarem as suas cargas e descargas, a partir de então passaram a rumar aos portos brasileiros, concluindo aí os seus negócios. Esta subalternização metropolitana agravara-se em 1811, quando se franquearam todos os portos ultramarinos ao comércio internacional. Porém, as sucessivas governações portuguesas não fomentaram a fixação de contingentes demográficos lusos no interior das possessões coloniais. A revolução de Setembro de 1836, através de Sá da Bandeira, procurou definir as regras gerais de um futuro regime de ocupação. Mas o setembrismo foi um fogo-fátuo. E tudo continuou entregue ao santo remanso da sonolência. Pois não é espantoso que um país de tradição colonialista, iniciada nos finais do século XV, só em 1875 tenha criado, em Lisboa, a sua Sociedade de Geografia?
Portugal secundou como pôde a “corrida a África” que as restantes potências europeias desencadearam, logo que se aperceberam do manancial de riquezas que o continente negro albergava no seu seio. Mas podia menos do que qualquer uma das restantes. Por isso, o nosso imperialismo quase não merece tal nome. Toda a tradição lusitana de transferência de contingentes demográficos se fazia através da travessia do Atlântico, fixando-se no Brasil, em termos permanentes ou episódicos. E, por outro lado, as finanças públicas permaneciam, como sempre, anémicas e desequilibradas. Era impossível, porém, ignorar o desafio. Por isso, a Sociedade de Geografia, sob o comando de Luciano Cordeiro, irá organizar as expedições ultramarinas de Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, entre 1877 e 1878. A expedição de Serpa Pinto teve o condão de demonstrar que entre Angola e Moçambique existiam linhas de continuidade que possibilitavam sonhos de ampliação territorial. Com base nisto iria nascer um sonho cor-de-rosa. Na altura ninguém poderia saber que esse sonho viria a transformar-se num dos nossos mais angustiantes pesadelos.
13 comentários:
Felicito o autor deste blog pela rubrica "Memorial Republicano", que considero de todo o cabimento já que estamos à beira da comemoração do centenário da República. Para além do mais, trata-se de uma série de textos úteis para quem é profissional da História. E é nesse sentido,numa perspectiva eminentemente construtiva, que assinalo um lapso no presente artigo , referente ao ano em que ocorreu a Revolução de Setembro, que teve lugar em 1836 e não em 1838, data da respectiva Constituição.
Maria Pinto
Agradecem-se tanto as felicitações como o reparo da data. Foi um equívoco que irá ser prontamente corrigido. O autor do Blog felicita-se com o facto de ter alguns leitores que tão atentos se mantêm à sua produção . E às datas.
Amadeu Carvalho Homem
São assim as pessoas superiores: quando "erram", nem que seja numa simples data, assumem o "erro" com frantalidade e dão-lhe a devida correcção, sem qualquer espécie de ressaibo. Assim fôssemos todos!
JCN
Manda a verdade que não se trata de um simples erro de data. Trata-se mesmo de ignorância própria da ligeireza com que o autor trata estes assuntos.E não há qualquer grandeza como quer o fiel e castrejo soneteiro goiesco quando procede à emenda. Na verdade ele confunde a Revolução de Setembro, como em outros momentos faz confusões, os irmãos Passos não lhe perdoariam e a mistura do Sá da Bandeira que lhe valha S. Catroga ou Santa Manuela Ribeiro, com quem podia aprender alguma coisa. ALTERNATIVA à ignorância e parolice parece não haver por aqui.Falta ainda aparecer além da castreja louvaminha em pé-quebrado, a fraga bajoladoura do costume.E agora o trauliteiro sampedrense deve vir por aí, como teremos de aturar o hostoriógrafo da ladeira das Alpenduradas nesta sus verdadeira dimensão académica. Pilriteiro que dá pilritos...
Ao menos mostra a "cara", se é que a tens, seu miserável... anónimo!
JOÃO DE CASTRO NUNES, que por sinal não sou
goiesco nem goiense, nem tão-pouco beirão, porque, se o fosse, seria bem diversa a minha "aquiliniana" resposta.
Desmascara-te, homem!
Nada há mais nojento... que um cobardolas! Fazem lembrar aqueles indivíduos tão mesquinhos e rasteiros que, não passando de cagalhões, precisam de se pôr em pé... para parecerem alguma coisa.
Vê lá se sabes quem o disse!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Senhor cagalhão intelectual e moral, vossemecê deve sofrer de esquizofrenia aguda. Trata-te, homem de Deus!
Por lapso, não assinei o anterior comentário, a saber:
JOÃO DE CASTRO NUNES
Este Nunes está ao nível da latrina. Carvalho Homem não deve alinhar neste tom.
A. Araújo
Sr. Araújo:
Nível por nível, ainda estou acima do teu!
JOÃO DE CASTRO NUNES
Ó Araújo: o "tom" deste-o tu.
JOÃO DE CASTRO NUNES
Ó Araújo: sabias que, antes de ser inventada, já se sabia por onde a corda iria partir?!...
JOÃO DE CASTRO NUNES
Até no nome não passas de um cagalhão, não goiesco, mas grotesco, escrito a meio pau como se te envergonhasse assumi-lo por inteiro, ao meu jeito, ou seja:
JOÃO DE CASTRO NUNES, filho de INÊS DE CASTRO e de ANTÓNIO NUNES DA SILVA, minhoto de berço, mas beirão por adopção.
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