É certo que a África apareceu aos olhos dos europeus com o peso de reticências e de prevenções. Ao continente africano atribuíam-se perigos vários, tanto naturais como humanos. Compunham-lhe a imagem tanto as febres palustres como os gentios supostamente ferozes, tanto o rastejar das víboras como as garras das feras à solta. Foram necessárias as narrativas serenas e menos temíveis de missionários, geógrafos, garimpeiros, botânicos ou simples aventureiros para que essa imagem se viesse a revelar mais tranquilizante.
Entre 1840 e 1873, o missionário inglês David Livingstone deambulou pelo rio Zambeze, pelo lago Niassa e pela região do Tanganica e descobriu as nascentes do Congo. Por seu turno, a França colocou em 1881 a Tunísia sob o regime de protectorado e reforçou a sua presença colonialista no Daomé, na Costa do Marfim, no Senegal, na Mauritânia. Em relação ao centro equatorial africano, as ambições francesas eram interpretadas pelo conde Savorgnan de Brazza, um italiano que se naturalizara francês e que lançou os alicerces da futura cidade de Brazzaville. O monarca belga, Leopoldo II, começou por invocar os mais altos princípios filantrópicos, de combate ao esclavagismo, para lançar uma “Comissão de Estudos do Alto Congo”, organização que acabaria por se revelar mais vocacionada para lançar as bases do futuro Congo Belga do que para lutar pela causa da emancipação negra. O rei dos belgas contou com a cooperação do jornalista americano Stanley, o qual não se limitou a fazer-lhe a apologia pessoal e ideológica mas, replicando a Brazza, veio a fundar, em 1881, na margem esquerda do Zaire, frente a Brazaville, a estação-entreposto de Leopoldville. A Alemanha de Bismarck irrompeu mais tardiamente no continente africano, levada pela mão de companhias privadas, às quais se concederam direitos majestáticos. Só em Abril de 1883 Lüderitz se implantará nos territórios de que iria nascer o futuro Sudoeste Africano Alemão, ao passo que a colónia da África Oriental Alemã se iria forjar a partir da ilha de Zanzibar. Por seu turno, a Grã Bretanha já jogava, desde há muito, todo o seu peso estratégico não apenas no Egipto, onde disputou vitoriosamente à França a imposição do correspondente protectorado, como também na colónia do Cabo, na ponta meridional do continente, aí estabelecendo uma testa de ponte direccionada às regiões que haviam acolhido os estados boers.
Pode assim dizer-se que o vinténio posterior a 1870 assistirá a uma desordenada “corrida à África” por parte de antigas e novas potências colonialistas, finalmente rendidas a promessas de fartura e a crises de cupidez sem paralelo, as quais, em incandescência progressiva, ganharam alento desde a descoberta dos diamantes de Kimberley, em 1867, à revelação dos filões auríferos do Transvaal, em 1885.
Portugal limitou-se a assistir, passivo e contemporizador, à erupção deste vulcanismo imperialista. Supunha, aliás, que os seus direitos históricos, comprováveis por vetustos testemunhos documentais e por sinais de edificação deixados ao longo da costa africana, seriam suficientes para preservar a secular herança das suas navegações. De resto, pouco poderia fazer. Os sucessivos governos nascidos da revolução regeneradora de 1851, tiveram o condão de desenvolver um pouco mais o Reino, mas à custa de um insustentável endividamento externo. Regara-se o país a libras esterlinas, mas a potência credora – a Grã-Bretanha – não se distinguia no concerto internacional por generosidades pecuniárias ou por transigências dilatórias na cobrança dos débitos. O que se poderia pressentir era que Portugal não resistiria a desafios de aprofundamento colonialista, se eles viessem a colocar-se. Poderia até haver vontade. Mas era seguro e certo que se trataria de uma vontade órfã de meios. Deste modo, o abalo da consciência republicana gerado pelo Tratado de Lourenço Marques poderia vir a repetir-se. E era de calcular que quanto maior viesse a ser o agravo, quanto maior pudesse ser a cedência, maior seria – sobretudo por parte dos republicanos – o desejo de desforra.
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