Os jornais republicanos iam acompanhando o debate interno, procurando capitalizar em seu proveito os sintomas de cedência ao direito dos mais fortes e os sinais de capitulação às voracidades internacionais. A questão colonial ofereceu ao republicanismo um novo argumento, assim expresso: as sucessivas gerências governamentais monárquicas comprovavam uma lastimável inaptidão administrativa em tudo o que respeitava à dominação colonial e à exploração dos recursos em jogo. Insistindo infatigavelmente neste argumento, o republicanismo – mesmo que apenas o pressentisse – forçava os governantes monárquicos a escolher entre dois males: ou o da vergonha decorrente de cedências reiteradas ou o do risco inerente a projectos insustentáveis e megalómanos.
Eram antigas as ambições visionárias de unir Angola à contra-costa moçambicana. Nesse sentido se haviam pronunciado, ainda no decurso do século XVIII, homens da estatura de um Francisco de Sousa Coutinho ou de um Francisco José de Lacerda e Almeida. Mas agora desabrochava com mais intensidade, no seio dos adeptos monárquicos, esta utópica flor de esperança. Pois não era onírica, virtual e simplesmente imaginária a ambição de fazer expandir uma nacionalidade em crise para zonas africanas problemáticas, no auge da guerra em que divergiam potentes interesses internacionais? Com que miseráveis colonos – os que, cabisbaixos, embarcavam, ano após ano … para o Brasil – se cumpriria tamanho desígnio? E com que capitais públicos? E com que unanimidade de opinião? No entanto, parece situar-se neste rumo o recrudescimento da exploração de zonas nevrálgicas sertanejas, localizadas na continuidade do eixo Angola-Moçambique, entre 1884 e 1889. A Sociedade de Geografia foi dando alento e cobertura às explorações e surtidas de reconhecimento geográfico a que se abalançaram Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Serpa Pinto, Augusto Cardoso, Henrique de Carvalho, António Maria Cardoso, Vítor Cordon e Paiva de Andrada. Não ilustrariam tais demandas o desejo de consolidar no terreno, obedecendo agora à nova legislação internacional, o projecto de expansão que alguns governantes já admitiam abertamente na sua epistolografia? Atente-se no que escreveu o então ministro dos Negócios Estrangeiros, José Vicente Barbosa du Bocage, dirigindo-se ao seu colega da pasta da Marinha e Ultramar, Manuel Pinheiro Chagas, em carta datada de 15 de Maio de 1885 : “Unir Angola e Moçambique, cortar de um lado ao outro o continente africano, foi sonho dos nossos maiores; nobre aspiração a que algumas portentosas viagens deram alimento”. E mais à frente concluía que “o momento parece azado para empreender a realização da sonhada obra”.
Em fins de 1885 Portugal negociou com a França, através do nosso ministro plenipotenciário em Paris, Andrade Corvo, uma convenção que reconhecia certos direitos franceses na Guiné contra o reconhecimento do protectorado português em regiões localizadas entre Angola e Moçambique. Por outro lado, quando se tratou de delimitar as fronteiras do Sudoeste Africano alemão com Angola, que integrava na colónia germânica uma parcela territorial entre o Cabo Frio e o rio Cunene, a convenção diplomática respectiva especificava, através de um mapa colorido a rosa, a soberania lusitana sobre zonas que também constavam grosso modo do acordo luso-francês e que denunciavam o propósito de materializar o tal sonho a que se referira Barbosa du Bocage. Foi Henrique de Barros Gomes, que entretanto o substituíra na pasta do Estrangeiros, mas agora no gabinete progressista de José Luciano de Castro, quem levou os dois convénios à ratificação parlamentar, fazendo-os acompanhar desse potencial e diáfano mapa cor-de-rosa.
Esta pretensão mereceria a concordância dos britânicos? Ninguém se iludia a tal respeito e era dada como certa a reacção negativa do governo de Londres. Assim sendo, porquê insistir? Porque talvez a França, talvez sobretudo a Alemanha, nos viessem proteger. Talvez … talvez …
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