10 de junho de 2009

MEMORIAL REPUBLICANO XXIV


XXIV - UM SONHO PINTADO A ROSA

A obrigatoriedade da ocupação efectiva sobre os domínios coloniais doravante reivindicados, estabelecida pelo artº 35º do Acto Final da Conferência de Berlim, suscitou em Portugal reacções contraditórias. Houve quem pensasse que o repto se situava muito acima da nossa capacidade de resposta e que seria até sensato que Portugal abdicasse de muito do que já alcançara. Ferreira de Almeida, que viria a ser ministro da Marinha e Colónias na ditadura regeneradora do gabinete Hintze Ribeiro-João Franco, de 1894-1895, apresentará às Câmaras legislativas, em 1888, um projecto de lei que recomendava “a centralização e redução do nosso domínio colonial”.  Persistiu nesta opinião ao longo do tempo, de tal sorte que em 1890 defenderia sem ambiguidades a venda de Moçambique, Guiné, Ajudá, Cabinda, Macau e Timor, por entender que umas representavam um incomportável sorvedouro de dinheiros públicos, sendo outras simplesmente inúteis e inaproveitáveis. O próprio Oliveira Martins, que todos referenciavam como uma das figuras mais prestigiosas da sua geração, opinava que se deveria encerrar rapidamente e com honra o nosso contencioso colonial com a Inglaterra sobre o traçado das fronteiras moçambicanas. Feito isto, o país estaria então preparado para negociar vantajosamente os recursos coloniais com certas companhias majestáticas, guardando para si o desenvolvimento de Angola e fazendo dela o emblema da sua vocação colonial.

Os jornais republicanos iam acompanhando o debate interno, procurando capitalizar em seu proveito os sintomas de cedência ao direito dos mais fortes e os sinais de capitulação às voracidades internacionais. A questão colonial ofereceu ao republicanismo um novo argumento, assim expresso: as sucessivas gerências governamentais monárquicas comprovavam uma lastimável inaptidão administrativa em tudo o que respeitava à dominação colonial e à exploração dos recursos em jogo. Insistindo infatigavelmente neste argumento, o republicanismo – mesmo que apenas o pressentisse – forçava os governantes monárquicos a escolher entre dois males: ou o da vergonha decorrente de cedências reiteradas ou o do risco inerente a projectos insustentáveis e megalómanos.

Eram antigas as ambições visionárias de unir Angola à contra-costa moçambicana. Nesse sentido se haviam pronunciado, ainda no decurso do século XVIII, homens da estatura de um Francisco de Sousa Coutinho ou de um Francisco José de Lacerda e Almeida. Mas agora desabrochava com mais intensidade, no seio dos adeptos monárquicos, esta utópica flor de esperança. Pois não era onírica, virtual e simplesmente imaginária a ambição de fazer expandir uma nacionalidade em crise para zonas africanas problemáticas, no auge da guerra em que divergiam potentes interesses internacionais? Com que miseráveis colonos – os que, cabisbaixos, embarcavam, ano após ano … para o Brasil – se cumpriria tamanho desígnio? E com que capitais públicos? E com que unanimidade de opinião? No entanto, parece situar-se neste rumo o recrudescimento da exploração de zonas nevrálgicas sertanejas, localizadas na continuidade do eixo Angola-Moçambique, entre 1884 e 1889. A Sociedade de Geografia foi dando alento e cobertura às explorações e surtidas de reconhecimento geográfico a que se abalançaram Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens, Serpa Pinto, Augusto Cardoso, Henrique de Carvalho, António Maria Cardoso, Vítor Cordon e Paiva de Andrada. Não ilustrariam tais demandas o desejo de consolidar no terreno, obedecendo agora à nova legislação internacional, o projecto de expansão que alguns governantes já admitiam abertamente na sua epistolografia? Atente-se no que escreveu o então ministro dos Negócios Estrangeiros, José Vicente Barbosa du Bocage, dirigindo-se ao seu colega da pasta da Marinha e Ultramar, Manuel Pinheiro Chagas, em carta datada de 15 de Maio de 1885 : “Unir Angola e Moçambique, cortar de um lado ao outro o continente africano, foi sonho dos nossos maiores; nobre aspiração a que algumas portentosas viagens deram alimento”. E mais à frente concluía que “o momento parece azado para empreender a realização da sonhada obra”.

Em fins de 1885 Portugal negociou com a França, através do nosso ministro plenipotenciário em Paris, Andrade Corvo, uma convenção que reconhecia certos direitos franceses na Guiné contra o reconhecimento do protectorado português em regiões localizadas entre Angola e Moçambique. Por outro lado, quando se tratou de delimitar as fronteiras do Sudoeste Africano alemão com Angola, que integrava na colónia germânica uma parcela territorial entre o Cabo Frio e o rio Cunene, a convenção diplomática respectiva especificava, através de um mapa colorido a rosa, a soberania lusitana sobre zonas que também constavam grosso modo do acordo luso-francês e que denunciavam o propósito de materializar o tal sonho a que se referira Barbosa du Bocage. Foi Henrique de Barros Gomes, que entretanto o substituíra na pasta do Estrangeiros, mas agora no gabinete progressista de José Luciano de Castro, quem levou os dois convénios à ratificação parlamentar, fazendo-os acompanhar desse potencial e diáfano mapa cor-de-rosa.

Esta pretensão mereceria a concordância dos britânicos? Ninguém se iludia a tal respeito e era dada como certa a reacção negativa do governo de Londres. Assim sendo, porquê insistir? Porque talvez a França, talvez sobretudo a Alemanha, nos viessem proteger. Talvez … talvez … 

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