Quando Portugal, através das manobras diplomáticas de Barros Gomes, procurou suscitar uma “inversão de alianças”, substituindo a Grã-Bretanha pela Alemanha como potência aliada no desenvolvimento de projectos colonialistas, não curou de obter garantias formais de fidelidade futura. Firmou-se um convénio, que nos era favorável, e imaginou-se que ele vigoraria, em interpretação extensiva, para todo o futuro horizonte das nossas esperanças de apropriação.
A Inglaterra logo tratou de fazer sentir a Portugal, através de numerosos memorandos e notas diplomáticas, que não se dispunha a aceitar as nossas pretensões e que nem sequer anuiria a um processo negocial tripartido, correspondente à inclusão da Alemanha no dirimir da pendência, conforme Barros Gomes chegou a sugerir. Para o gabinete de Salisbury era óbvio que a efectividade de ocupações, imposto pelo Acto Final de Berlim, não deveria confinar-se às regiões costeiras. Para que as apropriações coloniais fossem plenamente reconhecidas, era necessário que se implantassem missões, postos administrativos e guarnições militares nas regiões mais sertanejas. Esta obrigatoriedade jogava claramente contra a situação portuguesa, atendendo à sua extrema e irrecuperável penúria financeira.
Este azedo diálogo entre Portugal e a Grã-Bretanha decorreu sigilosamente. A opinião pública ignorava totalmente a gravidade da situação, uma vez que apenas uns raros jornais republicanos aludiam, em tom vago, às divergências anglo-lusas. Cecil Rhodes, atentíssimo à dinâmica dos interesses em jogo, tratou de alcançar, no terreno, as vantagens requeridas pela grandeza quase infinita da sua ambição. Logo se apercebeu que o seu projecto requeria imperativamente que o território dos Matabeles, entre o Limpopo e o Zambeze, passasse para a órbita britânica de influência, para que se consumasse no futuro o projecto ferroviário de ligação entre a colónia do Cabo e a capital do Egipto. Se vingassem as esperanças lusas do mapa cor-de-rosa, estariam comprometidos os eixos de expansão em que assentava o plano de Rhodes. Por isso, a Grã-Bretanha não descurou o estreitamento de relações com o rei dos Matabeles, Lo Bengula, com quem veio a estabelecer tratados de paz e de amizade. A “nossa mais antiga aliada” tratou também de armar e municiar tribos hostis ao domínio português. Foi o caso da comunidade indígena dos Macololos, na região do Chire. Os agentes de Cecil Rhodes aconselharam o rei matabele a invocar direitos sobre o “país” dos Machonas e sobre uma vasta zona adjacente, contígua ao planalto de Manica, em pleno território moçambicano, notificando Lisboa de que tanto os Matabeles como os Machonas se encontravam sob a sua protecção. Era um golpe mortal que assim se desferia sobre o róseo sonho português de criar “um novo Brasil em África”. A coroar todo este cuidadoso planeamento, o governo inglês concedeu pulso livre à Chartered de Cecil Rhodes para irromper e se impor nas vastíssimas zonas de que nasceriam as Rodésias.
A contestação de Portugal foi selectiva. Procurou contrariar os direitos britânicos de protectorado sobre os Machonas e fez seguir para o Alto Chire expedições militares, chefiadas por Serpa Pinto e por Henrique de Paiva Couceiro. Era dito, nos documentos da diplomacia, que Portugal apenas desejava construir uma via férrea que unisse o Niassa ao Zambeze. Mas a Grã-Bretanha desconfiava que os meios militares utilizados sobre territórios reclamados pela Chartered encobrissem o ardil de erigir uma situação definitiva e inapelável.
Em Outubro de 1889, Portugal vibrou com a vitória militar alcançada por Serpa Pinto e por João de Azevedo Coutinho sobre os Macololos. O governo inglês rugiu de indignação, mas Barros Gomes, supondo-se suficientemente protegido por Bismarck, acumulou silêncios e recorreu a várias manobras de dilação.
A 11 de Janeiro de 1890, o ministro plenipotenciário britânico acreditado em Portugal, Mr. Petre, entregou ao governo português um lacónico texto, com estes dizeres: “O que o Governo de Sua Majestade deseja e em que insiste é o seguinte. Que se enviem ao governador de Moçambique instruções telegráficas imediatas, para que todas e quaisquer forças militares portuguesas, actualmente no Chire e nos países dos Macololos e Machonas, se retirem. O Governo de Sua Majestade entende que, sem isto,as seguranças dadas pelo governo português são ilusórias. Mr. Petre ver-se-á obrigado , à vista das suas instruções, a deixar imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legação, se uma resposta satisfatória à precedente intimação não for por ele recebida esta tarde; e o navio de Sua Majestade Enchantress está em Vigo esperando as suas ordens. Legação Britânica, 11 de Janeiro de 1890”.
A esta nota diplomática foi dado o nome de Ultimato Inglês. Começou aqui, verdadeiramente, o colapso da monarquia constitucional portuguesa.
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