Revelou-se, a partir desta altura, o fogo da desmedida ambição que o abrasava. Regressou várias vezes a Londres e tornou-se notado nos mais importantes círculos políticos da melhor sociedade vitoriana. Arrebatava auditórios com promessas de incomparável grandeza para uma Grã-Bretanha que já era a “rainha dos mares” e que deveria vir a ser a indiscutível, arbitral e omnipresente potência colonial africana. Fizeram-no deputado cerca de cinco anos antes do Congresso Colonial de Berlim. Nesse ínterim, aquele que viria a ser mencionado como o “Napoleão do Cabo” desenhou na mente e tentou concretizar no terreno um fantástico desígnio imperial. Tratava-se de consolidar domínios, negociar tratados e aniquilar oposições para que pudesse corporizar-se, em completa subordinação ao hegemonismo britânico, um eixo transafricano de influência que ligasse, sem solução de continuidade, a colónia do Cabo ao protectorado de Egipto. A corte de Londres rendeu-se-lhe incondicionalmente. Não admira que assim tivesse sido: se Cecil Rhodes conseguisse realizar a sua espantosa e portentosa visão, o melhor das riquezas africanas seria despejado na cornucópia mercantil do seu país. Por isso Londres o elevaria, em 1890, a governador do Cabo, reconhecendo nele o mandatário insubstituível da sua estratégia para a África meridional. Quando Bismarck convocou para Berlim os negociadores internacionais, já Cecil Rhodes estava em vias de constituir o protectorado da Bechuanalândia, ampliando a respectiva soberania do Zambeze ao Orange. Este protectorado tinha um valor estratégico relevante, uma vez que completava o cerco às repúblicas boers e impedia, cumulativamente, o crescimento para leste do território alemão do Sudoeste Africano. Rhodes iria também criar uma poderosa e manobradora companhia majestática, a Chartered, espécie de entidade de negociação com os potentados indígenas, cujos métodos vieram a oscilar entre a ameaça mais despudorada e a mais explícita chantagem.
Através da Chartered , Cecil Rhodes empurrou os seus agentes cada vez mais para o norte e para o ocidente de Moçambique. Tratava-se agora de alcançar o domínio da Niassalândia, do reino dos Matabeles e do “país” dos Machonas. A importância estratégica do domínio da Zambézia, a ser alcançado, consistia na seguinte evidência: uma vez contidos os interesses alemães, neutralizados os estados boers e dominados os gentios mais recalcitrantes, estavam finalmente reunidas as condições que tornavam possível a construção de uma via férrea com financiamentos britânicos, muito propalada ao tempo, a qual uniria o Cabo ao Cairo. Competia ao “Napoleão do Cabo” empreender e tornar viável esta nova campanha, em direcção ao Egipto.
Estes dados ajudam a compreender a bonomia com que Bismarck acolheu o convénio luso-alemão do qual constava o nosso mapa cor-de-rosa. Essa contemporização não derivava de uma especial simpatia para com Portugal ou – ao contrário das esperanças dos nossos governantes … – de um sincero desejo de fazer substituir a Inglaterra pela Alemanha como aliada preferencial do reino lusitano. As motivações de Bismarck eram bem mais pragmáticas: como os planos germânicos haviam ficado enfraquecidos com a tomada da Bechuanalândia pelos ingleses, o arguto chanceler ia tentar contrariar a lógica britânica com o recurso à cartada portuguesa. Se outro efeito não pudesse obter, alcançaria, pelo menos, o da temporária contenção da hegemonia anglo-saxónica na região.
Portugal era, portanto, um simples peão, desvalido e isolado, neste jogo de mestres. Poucos se deram conta desta instrumentalização. Por isso seria tão desencantado o nosso próximo despertar deste sonho pintado a rosa.
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