Vieram dizer-me que tinha nascido.
E eu vi-o todo enrolado num xaile branco e rendado
Imaginado (mais do que feito) pelas agulhas pacientes da Mãe
Que tricotava em serões lentos e conversados
À lareira da casa antiga, serrana, perdida entre penedias calvas.
Vieram dizer-me que tinha crescido.
E eu tornei a vê-lo todo envolvido em graças de mulheres novas
Imaginadas (mais do que tocadas) pela incandescência do instinto
Que se espalha pelo corpo todo, em embriaguez de viço e de promessa
Por lugares escusos e rendados do verde de muitos bosques
Passeados, em fins de tardes cálidas, pelos que amam transitoriamente.
Vieram dizer-me que envelhecera.
E eu vi-o todo enrolado num capote alentejano
A enxotar o frio da alma, o reumatismo do corpo
E as memórias ( como punhais de saudade) a encherem
Os lugares mais escusos, mais secretos da alma emurchecida.
Vieram dizer-me que morrera.
E eu voltei a vê-lo todo torcido num caixão castanho,
Decorado com borlas brancas sem graça e sem amor terreno
(“Quando eu morrer batam em latas; etc, etc) …
Irei certamente encontrá-lo qualquer dia, quando eu próprio
Riscar o céu, de Ocidente a Oriente, com a alegria pagã dos renascidos.
Vê-lo-ei então abraçado à Via Láctea, revigorado e firme, montado num raio
De luz e de paixão imortal, procurando a raiz da Mãe, a carícia da Amante
E até, talvez, o conforto dum Deus qualquer, “sempre negado e sonhado”.
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