8 de abril de 2010

MEMORIAL REPUBLICANO XLV

(José Luciano de Castro, por Celso Hermínio)

XLV - DA "COLIGAÇÃO LIBERAL" AO "SOLAR DOS BARRIGAS"

À medida que se progredia para o fim do século XIX tornava-se transparente a deriva monárquica para governos de força e fórmulas administrativas impostas ditatorialmente. D. Carlos nada fez para que esta nefasta orientação pudesse ser contrariada. Parecia render-se, pelo contrário, às doutrinações dos que – como Oliveira Martins, Carlos Lobo de Ávila, Mouzinho de Albuquerque ou Luís de Magalhães – aconselhavam a imitação do pragmatismo centralista e militarista de Bismarck e do Kaiser Guilherme II da Prússia.

O republicanismo português não foi capaz de corresponder a este repto com a clarividência da coesão e da unidade, entrando no último lustro do século XIX com as nocivas marcas da discórdia interna. Perante a longa hegemonia do Partido Regenerador e a intolerância da sua prática de poder, houve quem advogasse uma aproximação táctica aos progressistas. Eram deste parecer Eduardo de Abreu e Gomes da Silva, que preconizavam a constituição de uma Coligação Liberal, espécie de frente unitária entre o Partido Progressista e o Partido Republicano. Os círculos radicais de Lisboa, onde pontificavam homens como João Bonança, Luz Almeida, Lomelino de Freitas e Tomé de Barros Queirós, eram radicalmente contrários a tal acordo. Esta diferença de opiniões marcou notoriamente as eleições de 15 de Abril de 1894, facilitando o lamentável espectáculo de terem sido apresentadas em Lisboa duas listas republicanas, uma “negociadora”, outra “intransigente”. A espúria aliança ficou concluída no verão de 1894, em coincidência com a guinada conservadora do gabinete de Hintze Ribeiro, com João Franco na pasta do Reino. A luta de oposição - ou das oposições - agora encetada irá fazer-se através deste entendimento entre progressistas e republicanos, frequentando ambas as facções, em inusitada e suspeita confraternidade, os “comícios das gravatas vermelhas”. Tais comícios eram manifestações estranhas, tanto pela heterogeneidade dos seus arautos como pela voz predominante de José Luciano de Castro, mestre de capela deste desafinado coro a duas vozes.

Houve, contudo, círculos republicanos que repudiaram o canto de tal sereia. Estava neste caso o sector conimbricense que se reunia em torno do jornal Resistência, onde se divisavam os nomes cimeiros daqueles estudantes que haviam integrado na cidade do Mondego a retaguarda universitária dos revoltosos do 31 de Janeiro de 1891. Falamos de João de Meneses, António José de Almeida, Malva do Vale, Afonso Costa e Silvestre Falcão. E até numa cidade do interior, como Viseu, se fazia ouvir, no jornal republicano O Intransigente, a voz indignada de Brito Camacho. Também João Chagas, recordando passadas retratações progressistas, aconselhava os republicanos menos sensatos, num dos seus Panfletos (o nº 10, de 13 de Maio de 1894), a não se deixarem enganar. Apesar disto, iremos verificar que Eduardo de Abreu e Gomes da Silva, os mais vigorosos arautos desta Coligação Liberal, irão ascender, no decurso do 6º Congresso Republicano, reunido em Lisboa em inícios de Março de 1895, ao Directório Provisório desta formação política. Mas as dissensões até nesse importante órgão de cúpula eram visíveis, uma vez que Magalhães Lima e Jacinto Nunes, também eleitos, trataram de abandonar pouco depois esse mesmo Directório, negando aos aliancistas a sua colaboração.

O governo Hintze-Franco iria dar a medida das suas intenções ao introduzir profundas alterações à legislação eleitoral. Tão drásticas elas foram que toda a oposição decidiu abster-se, não apresentando candidaturas alternativas às dos regeneradores. E assistiu-se então ao pícaro espectáculo de entrar em funcionamento, na continuidade das eleições de Novembro de 1895, uma Câmara dos Deputados exclusivamente composta por regeneradores, onde se simulavam debates sem conteúdo, de mera decoração circunstancial, para se manter viva a precária ilusão de que ainda havia um longínquo esboço de constitucionalidade e de liberdade política no seio do descomposto regime vigente. A opinião pública deu a este anómalo feto parlamentar o nome que melhor lhe quadrava: chamou-lhe o “Solar dos Barrigas” !

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