21 de abril de 2010

PELO VOTO REBELDE


Uma organização, uma associação, uma qualquer agremiação não vale, não inspira confiança, não persuade pela bandeira que ostenta ou pelas palavras de ordem que pretende inculcar. Vale, isso sim, pela credibilidade dos seus associados e pelo indesmentível espírito de serviço das suas lideranças. A questão das chefias tornou-se vital e verdadeiramente decisiva no Portugal de hoje. É agora transparente que um partido político se torna mais cobiçável pela honorabilidade do seu elenco dirigente do que pelas parangonas superlativas do seu programa. A questão está toda nisto: um programa excelente, servido por meia dúzia de sacripantas, facilmente se converte numa cartilha de embuste. Pelo contrário, um programa aparentemente menos convincente, servido por meia dúzia de homens-de-bem, rapidamente revela a excelência de quem o executa.

O que aqui se defende, sem o viés da meia-palavra, é a teoria do voto rebelde. Todos sabemos que o cidadão comum é tão fiel à sua palavra política como fanático se confessa do seu emblema desportivo. Por défice de reflexão e por imperativo de passionalidade, o português votante parte para a urna eleitoral com a mesma cegueira proselítica com que o adepto de futebol parte para o estádio onde joga a equipa do seu coração. Daí que o eleitorado revele tendências uniformes e de mais do que média duração. Desconhece-se quase completamente o programa ideológico mas reconhecem-se os símbolos e cores da bandeira do partido. O que hoje venho defender é que a política portuguesa, na sua dimensão autárquica e nacional, deixe de gerir-se pela polaridade similar à de um Benfica-Porto …

Os últimos decénios forneceram-nos óptimos motivos de reflexão. Não basta consignar em discursos inflamados as virtudes da Justiça Social para que deixe de haver corruptos. Não chega a notação programática da ideia de solidariedade para que desapareçam os oportunistas do mais decantado egoísmo pessoal. Não é suficiente que se fale em Bem Comum para que se dissolvam as trevas do tráfico de influências, do compadrio, do jogo obscuro da troca de favores, do negócio escuso e pulha. É mais do que tempo para que o eleitorado comece a retirar de todo este estendal de misérias crápulas as suas conclusões. Não é crível que se mantenham fidelidades de voto quando os servidores de certa bandeira – por mais estética ou cromaticamente agradável que se nos antolhe – já deram reiteradas provas de indigerível préstimo político, social e ético.

Por isso, é meu desígnio que os Cidadãos portugueses passem do abstracto das grandes tiradas oratórias para a observação de coisas mais palpáveis e singulares. Habitualmente, os candidatos ao exercício de cargos oficiais, públicos ou partidários, sejam eles quais forem, são publicamente conhecidos e reconhecidos. Seguimos-lhes os perfis particulares sem a necessidade de os procurar no “Facebook”. Escrevem-se sobre eles diversíssimos depoimentos na imprensa. Eles próprios utilizam as folhas dos periódicos para nelas consignarem os seus estados de alma. Aparecem nos restaurantes que nós frequentamos, nos cafés da nossa habituação, por vezes mesmo nas tertúlias da nossa predilecção. Ou seja, há farta matéria para que cada um possa retirar sobre eles as mais sólidas conclusões: sobre a consistência do carácter, sobre a solidez da cultura, sobre a autenticidade dos valores que dizem defender, sobre a dignidade do comportamento cívico, sobre o desinteresse que deve ser sempre inerente ao serviço da Colectividade.

Há que libertar o eleitorado português da camisa-de-forças do voto sonolento, habitual, bovino, agrilhoado à sujeição quase idiota com que idolatramos o trilho dos hábitos. Cultivemos, pois, o voto rebelde. Dentro dos partidos e fora deles. Em eleições internas e em eleições nacionais. Informemo-nos de todas as particularidades que singularizam, sem devassa mas igualmente sem sujeição mecanicista, o candidato ou candidatos em apreço. E que sejam apenas OS MELHORES, longe de canina fidelidade a cores e símbolos estafados, os depositários da nossa confiança. E, sobretudo, da nossa esperança! Bem precisamos …

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