2 de maio de 2011

VIA DOLOROSA EM CASTELO DE VIDE

No salão nobre da Câmara Municipal de Castelo de Vide encontra-se exposta esta pintura mural. Trata-se de uma Virgem com o Menino, que de maneira flagrante não é virgem, nem bela, nem nova, sem contudo deixar de perder toda a dádiva que uma maternidade pressupõe. Não quis saber quem a tinha pintado e cultivei uma ignorância militante. O mural lembra Paula Rego e pede-lhe de empréstimo o mesmo género de “estética do feio”. Mas aqui, o “feio” não é mais do que a amarga mas necessária meditação sobre a humana servidão. Uma simbólica maternidade, ou apenas uns braços de Mulher, talvez avó, suportam um menino. E o rosto é todo o revolver de um passado longo e dolorido. Rostos de espanto e de dor sustida são também os das figuras, masculina e feminina, que enquadram a Mulher-Mãe-Avó do nosso recontar. Aquilo não é bem uma pintura – é mais a síntese da Via Dolorosa e mortuária da Humanidade em movimento. Apesar de tudo, o fresco conserva a nobreza das coisas verdadeiras, ainda que sinistras. Esta cadente e candente melopeia, este recontar do que tão fragilmente podemos ser, está enquadrado por duas citações. Uma delas reporta-se ao rosto apavorado do “Grito”, de Edvard Munch, e a outra, segundo creio, a uma das fisionomias geométricas da "Guernica”, de Picasso. A pintura revela ainda a presença de um anjo branco, mas revolto, como se tivesse acabado de levar um tiro, como se as suas asas brancas estivessem prontas a despenhar-se no solo. O Artista quis que na base da pintura se definisse um pequeno reduto pedregoso, cercado por arame farpado.

Foi isto que eu vi num dia de chuva, no salão nobre da Câmara Municipal de Castelo de Vide. Lá fui, com mais trinta e dois Companheiros, levar um cravo rubro ao Tenente-Coronel Salgueiro Maia, sempre Capitão e sempre Abril a partir do Além-Túmulo. Que isto de ser gente, mesmo trespassada de Dor, mesmo a caminho do Nada, não nos dispensa, enquanto por cá andarmos, de fazer desfraldar os cravos, sempre e sempre, no dealbar de cada Primavera.

4 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Deformar a realidade,
seja com que intuito for,
talvez não seja a melhor
via-sacra da verdade!

JCN

João de Castro Nunes disse...

A verdade... cada artista
ao seu jeito a interpreta:
mais que as tintas da paleta
vale o seu ponto de vista!

JCN

Unknown disse...

Olá, Bom dia:
O Pintor António Ventura Porfírio foi quem fez nascer, com muito carinho e sabedoria, o mural em causa. Infelizmente deixou-nos em 1998. Deixo a sugestão: para conhecer um pouco mais o artista em http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/detail/72563/
JR

João de Castro Nunes disse...

Há toda a espécie de gritos
saídos da boca humana:
embora de muitos tipos
e sua variedade,
nenhum supera na dor,
como é lícito supor,
o que brota, o que dimana
da perda da liberdade!

JCN