6 de novembro de 2011

IMPROPRIEDADES TEOLÓGICAS

Dizem os teólogos que os desígnios de Deus são insondáveis. Insondável é, desde logo, o modo como o Antigo Testamento estabeleceu as fronteiras do Bem e do Mal. Estas categorias não surgiram como emanações directas de Forças opostas mas antes como uma interdição do próprio Criador. Recapitulemos. Após a criação do primeiro homem e da primeira mulher, o Divino colocou o par originário num Jardim de Delícias paradisíaco. Mas logo decretou que o fruto de certa árvore lhe estava interdito. A nossa longínqua mãe Eva obrigou Adão a pecar, oferecendo-lhe o fruto dessa árvore proibida. Deus expulsou-os do Paraíso e, a partir dessa desobediência, foram estabelecidos inumeráveis malefícios para os rebeldes originários e para toda a sua descendência. Uma pergunta se impõe : que estranha fronteira de inibição desenharia essa tão perigosa árvore ? O que aprendi com sacerdotes católicos , desde a mais tenra infância, foi, sobre este ponto, algo de muito contraditório. Uns declaravam que Adão e Eva tinham comido o fruto da Árvore da Ciência e que tal ousadia aparecera como intolerável aos olhos de Deus, por nela se ocultar o desejo de uma concorrência insuportável, de uma divinização a partir do barro humano. Mas - pergunta a nossa ignorância - não foi Adão criado á imagem e semelhança de Deus ? A ter sido assim, não se afigura exorbitante que a criatura tivesse desejado imitar o Criador, por efeito desse mimetismo que o próprio texto sagrado confessou existir. Quando atingi a adolescência, um outro padre católico assegurou-me que a linguagem utilizada da Bíblia era alegórica e que o famigerado fruto proibido não era mais do que o império carnal, ou seja, o desejo sexual consumado pecaminosamente. Mas, a ser assim, a imagem do Criador não sai nada favorecida. Por um lado, verificar-se-ia uma insanável contradição entre o Antigo Testamento, que proscreveria o desejo da carne, e o Novo Testamento, no qual o Filho de Deus prescreveria o ditame do « crescer e multiplicar » ; por outro lado, a severidade divina, a ser observada, iria reduzir a Humanidade à « parca ração » - como diria a saudosa Natália Correia -de duas criaturas. Ora isto projecta sobre o nosso tempo uma angústia geométrica, sobre a qual já Malthus refectiu, na transição do Século XVIII para o Século XIX. A tremenda angústia resultaria axiomaticamente desta elementar conclusão : a Humanidade, até ao presente, teria pecado mais de sete mil milhões de vezes. Valha-nos o facto de estarmos confiados a um Deus de uma evangélica paciência. E tranquilize-nos a circunstância de ser o escrivão deste texto um livre-pensador crivado de pecados e, como tal, pasmosamente ignorante destas seráficas e misteriosas transcendências.

4 comentários:

João de Castro Nunes disse...

Entre os sete mil milhões
de vezes que o homem pecou,
acha que Deus reparou,
Professor, nos seus baldões?!

JCN

João de Castro Nunes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João de Castro Nunes disse...

Há duas teologias,
dependendo da maneira
como se escreve a primeira
das vogais nos nossos dias!

JCN

João de Castro Nunes disse...

Entre Deus e o ser humano
um abismo se interpõe:
nenhum de nós se dispõe
a transpor esse oceano!

JCN