6 de julho de 2012

A PROVA DA CAMPAÍNHA

Dirijo-me a ti, leitor fiel, para te recordar uma breve e exemplar novela de Eça de Queirós. Intitula-se “O Mandarim” e fala-nos de um muito velho e riquíssimo chinês, que viveria nos confins dessa remota China. O desafio que o texto coloca é o seguinte. Quem tocasse uma certa campainha, no seu lugar de origem, fosse ele o mais distante que se pode conceber, colheria a culpa de consciência de provocar a morte imediata ao dito mandarim, mas também auferiria do proveito de lhe herdar a colossal fortuna. Vem isto a propósito das constantes ( e justas ) diatribes que se fazem escutar entre nós, reiteradamente, acerca da corrupção, do enriquecimento ilícito, da venalidade e de todas as misérias morais em que Portugal se atasca. Muito antes de serem lançados os impropérios nos jornais, nas revistas, nos grupos virtuais e em toda a parte, seria um óptimo exercício que cada um se perguntasse, no silêncio augusto e rigorosamente privado de cada mente, se eu, tu, meu irmão, ele, que eu vagamente conheço mas goza de boa fama, se nós todos, se vós, gente aparentemente impoluta, se eles, que desconhecemos por nunca termos visto, se todos, alguns ou muito poucos, como que por acidente, passando junto da fatal campainha, não a accionariam, não a faríamos tocar, para que pudessem ou pudéssemos herdar – se possível com absoluta impunidade – a fabulosa riqueza desse alquebrado, sumido, velhíssimo mandarim, ao qual faltariam , talvez, poucos mais dias de vida. E se eu, tu, ele, nós, vós, eles, se todos tivermos a certeza, a absoluta e definitiva certeza, de que não mataríamos implacavelmente esse decrépito mandarim, perdido no seu jardim chinês, talvez a beberricar um dos seus últimos chás, então – MAS SÓ ENTÃO – trate cada um, tratemos todos de empunhar a nossa pena e de bater a nossa tecla, para crucificar justiceiramente a corja ladra que por aí campeia.

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