A tradição platónico-plotiniana e o seu desenvolvimento judaico-cristão estabeleceu uma clara separação entre o Alto e o Baixo, o Céu e a Terra, o Além e o Aquém. Todos conhecem o Mito da Caverna, de Platão, com o que ele comporta de valorização do Inteligível e de depreciação do Sensível. E a própria cosmologia de Aristóteles, filósofo mais vinculado às “existências sensíveis” do que às regiões diáfanas do Inteligível, nos apresenta a imagem de um mundo supra-lunar, eterno, incorruptível, equilibrado na harmonia das suas partes componentes e das suas esferas intangíveis. O mundo sub-lunar seria, em contraposição, o reino do transitório, do corruptível e do convulso. A “imagem de Deus”, no âmbito das Culturas Ocidentais, ficou assim para sempre dependente desta dualidade, ou seja, para sempre ligada às regiões do Alto, do Além e do Céu. Por isso é que a estigmatização dos “cultos satânicos” pelas religiões espiritualistas foi sempre feita projectando sobre a materialidade da Natureza a imprecação que se guarda para o que é intrinsecamente mau. O Alto, o Céu, o Além é visto como o plácido lugar dos Deuses ou de Deus, do mesmo modo que o ventre da Terra é invariavelmente apresentado como o habitáculo sulfúreo de Satanás e da sua gente. Por outro lado, o funcionamento biológico do ser humano – e em geral dos antropóides superiores – parece ratificar este postulado diferenciador. Conquistada a postura erecta, é ao cérebro, ao “alto intelecto” que se atribui a nobre capacidade ideativa, localizando-se nas zonas mais “baixas” e mais “rebaixadas” do organismo (no ventre, no sexo e no orifício anal) o estigma da mais completa desvalorização. O Ocidente, na sua historicidade identitária, bem pode ser apresentado como a Civilização portadora de uma Cultura do Alto e do Baixo. Com base nisto se organizou, momento a momento, passo a passo, conceito a conceito, uma geografia e uma topologia do Bem e do Mal.
11 de janeiro de 2007
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