9 de novembro de 2008

DILEMAS DE HOJE

A actual crise económica do capitalismo internacional evidencia a decadência cívica e ética dos que até agora mais o têm defendido, por serem, manifestamente, os seus maiores beneficiários: referimo-nos à clique dos grandes chefes da finança, dos maiorais da política ocidental e dos especuladores especializados em converterem em negócio chorudo o que mais deveria servir à afirmação do humano. Desde a construção da casa à edificação do espírito, desde a água que se bebe ao petróleo que se coloca no motor dos automóveis, desde o que se come ao que se frui, desde o que se lê ao que se adquire para tratar as mazelas do corpo ou do espírito, não tem havido um único sector das necessidades humanas que não tenha sido objecto da cupidez dos argentários e da sede insaciável dos adoradores do dinheiro.

O que começa a ficar transparente para o cidadão médio, ou seja, para aquele agente social que se vê obrigado a trabalhar todos os dias para comer em cada vinte e quatro horas, o que começa a ser transparente para o chamado homem comum, é somente isto: o capitalismo, o liberalismo descomandado e sem freio, alimentou e fez crescer uma certa categoria de parasitas que convertem em interesses próprios o esforço, a produtividade e a aplicação laboral de todos os demais concidadãos. Vai sendo tempo de fazer acordar para esta parasitária realidade os mais largos sectores da sociedade civil, representados pelos trabalhadores por conta de outrém, pelos profissionais liberais, pelos pequenos e médios agricultores e comerciantes, pelos industriais de porte diminuto ou tão só suficiente, pelos professores, pelos intelectuais, pelos jornalistas e por todos os que têm sido simples joguetes do imenso logro protagonizado pela mais desbragada exploração. É tempo de todos eles reconhecerem que têm sido os humildes e silenciosos obreiros inconscientes dessa descomunal volúpia lucrativista e dessa saturnal e gigantesca libação do seu sangue, do seu suor e das suas lágrimas. 

O que hoje é já manifesto é isto: o desmoronamento do campo socialista não representou, sem mais e por si só, a legitimação da usura, a justificação do locupletamento indevido, o branqueamento da negociata, do nepotismo e do infamante devorismo de uns poucos. Foi excelente que a ficção comunista se tivesse desmoronado. É que se torna possível, a partir de agora, transferir para o interior de cada uma das sociedades concretas do capitalismo ocidental aquilo que antes era genericamente analisado com base num confronto entre blocos de poder. Expliquemo-nos. Era possível, antes da queda do sovietismo, apelar para o espírito de corpo, para os brios sectários e para a emocionalidade de dois internacionalismos em confronto. O leste das “vermelhas madrugadas” engalfinhava-se com o oeste das liberdades jacobinas. Foi esta situação que ofereceu a todos os nababos parasitas o argumento terrorista e eficaz de apresentar o protesto da miséria como uma forma de conluio ou de subtil aliança com o comunismo. Uma tal argumentação é doravante impossível. Que significa isto? Isto significa que continua a haver fome e miséria apesar da queda do comunismo e que tais défices já não podem ser apresentados como uma espécie de pecado contra o chamado “mundo livre”. A partir de agora, a imensa hoste dos injustiçados pode – e deve! – reivindicar o quinhão de justiça social de que é credora sem que tal possa ser identificado como um serviço prestado a “potências estranhas”. A partir de agora, o ajuste de contas transferir-se-á do domínio das geo-estratégias para o campo das trivialidades quotidianas. E o remanescente desta luta parece ser previsível: ou as democracias capitalistas se socializam, apesar de já não haver União Soviética, ou as mesmas democracias se desnaturam pelo recurso à repressão, como se passassem a ser novas Uniões Soviéticas.

 A História dos homens é uma permanente ironia…    

3 comentários:

Anónimo disse...

ARGENTÁRIOS!

Desenfreadamente os gaviões
em franca e desregrada liberdade
caíram sobre a pobre humanidade
para arrancar-lhe os últimos tostões.

Não há quem nos defenda dos ladrões
de luva branca em plena actividade:
parece até que a própria autoridade
se conluiou com estes galifões.

Teremos de ser nós, oa cidadãos,
cada um por si ou todos em conjunto,
a resolver este gravoso assunto.

A sociedade tem que dar as mãos
para afastar de si, frente ao abismo,
este mais que infernal... capitalismo!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

INIQUIDADE

Escandalosamente Portugal
tornou-se num país onde a miséria
ombreia com o grande capital
sem nada se fazer nesta matéria.

Enquanto a maior parte da nação
vive de escassos meios económicos
não falta gente, em postos de gestão,
fruindo de ordenados astronómicos.

Há que denunciá-lo abertamente
e em nome dos princípios da justiça
pôr cobro aos exageros da cobiça.

Entre as populações do continente,
por muito que este quadro se componha,
somos um caso extremo... de vergonha!

João de Castro Nunes

Luís Alves de Fraga disse...

Meu Caro Professor e Amigo,
O tempo, sempre o tempo, não me sobra e faltam-me já as forças para as longas noitadas de trabalho. Tenho andado arredado dos comentários ao seu blog bem contra vontade minha. Todavia ao ler esta postagem não resisti; tive de vencer o tempo.

Acha o meu Amigo que esta crise vai criar condições para uma tomada de consciência sobre o capitalismo — uma mais saudável tomada de consciência. Percebo os seus argumentos, porque são feitos de uma lógica quase imbatível. Mas não leva, o meu caro Professor, em linha de conta um factor fundamental o qual veio distorcer o quadro do liberalismo novecentista: a ânsia de consumo que todos os explorados sentem!
Realmente, na primeira grande “edição” do liberalismo vivia-se o ambiente cultural herdado de centúrias anteriores e que assentava no princípio da posse real dos valores e não na virtualidade de os possuir. Por outras palavras, era-se rico, remediado ou pobre em função do que se tinha e não em função do que parecia ter-se. A posse ou não posse do bem determinava o estatuto de riqueza (claro que sempre houve excepções e entre nós uma certa nobreza, pelo menos no século XVI, ainda que arruinada, fazia questão de se apresentar em público com aspecto de largas posses materiais… Vaidades!).
O capitalismo do século XX, com o desenvolvimento da publicidade, veio introduzir o valor simbólico das “coisas”, ou seja, possuir não é importante; importante é parecer que se possui. Assim surgiu a subversão que se instalou e ganhou foros de cultura básica.
Ora, voltando à sua excelente explanação haverá que deixar no ar a seguinte pergunta: será que os autores reconhecidos da crise não se propõem a explorar este tremendo filão do “jogo do parece” para continuar a iludir quem nada tem através de uma posse virtual só porque lhe é dada a hipótese de usufruir, ainda que momentaneamente, de uma aparência de abundância? Eu gostaria de estar enganado e de lhe conceder, a si Mestre insigne, a plenitude da razão.