6 de novembro de 2008

JESUS NUNCA RIU ?

Se o Bem só existe como o oposto do Mal, também a Tristeza só subsiste como o inverso da Alegria. Demonstram-se, em todos os jogos de antíteses, os imperativos obrigatórios do acto de viver. Tudo está ligado a tudo, de tal modo que – por hipótese – se um ser humano só conheceu a Alegria ao longo da sua existência, ele não a teria saboreado em plenitude, por lhe faltar o antónimo termo de comparação.

O único suposto que pode conferir sustentáculo à Alegria é a certeza de que a morte não é o fim inelutável dos vivos. Assim se compreende a vivacidade do riso ingénuo de S. Francisco de Assis, que não hesitava em considerar-se o “palhaço do Senhor”. Porém, os Padres Doutores da Igreja foram quase unânimes na condenação do riso. A Epístola a Lêntulo, um evangelho apócrifo, serviu de mote aos mais insignes católicos para sustentarem o princípio de que Jesus Cristo nunca rira. A Sua missão de resgate era tão decisiva, tão radicalmente séria, que o teria inibido de rir. A partir deste pressuposto, virão a desenhar-se todos os anátemas a quaisquer formas de Alegria que pudessem traduzir-se em francas gargalhadas. Basílio da Cesareia, Santo Ambrósio, S. João Crisóstomo ou Clemente de Alexandria inauguraram o retrato de uma Igreja sisuda, de cenho carregado, pouco propensa a liberdades, liberalidades ou festividades de riso. Um dos mais terríveis adversários do acto de rir foi Bossuet, que deixou plasmado este conselho numa carta dirigida à irmã Cornuau: “Passe um quarto de hora de todos os dias a considerar de relance esse austero e doce mestre da virtude cristã, na pessoa de Jesus Cristo, que dela foi o perfeito modelo e que tanto chorou e nunca riu”.

No entanto, a crença na vida eterna deveria ter sido garante de manifestações prazenteiras. Percebe-se que o materialismo e o existencialismo contemporâneos tenham feito assentar os estilos de vida desesperançados, pessimistas, tendencialmente niilistas, no sorumbático fardo de um corpo condenado sem escapatória ao apodrecimento e à definitiva decomposição. Mas entende-se mal que quaisquer doutrinas anunciadoras da Boa Nova da imortalidade para os crentes se afundem no pântano de uma tristeza assumida como modo de ser. Por mim – que nunca consegui ultrapassar os limites do agnosticismo – não me chocaria que Jesus Cristo tivesse contado aos seus discípulos alguma anedota inocente, alguma historieta de casta zombaria, algum manso e espirituoso dito. É que, estou certo, era um dos meios de comprovar a sua condição de Divindade feita Humanidade. E até Pedro iria mais contente, deste modo, para a sua pescaria de almas transviadas.   

3 comentários:

Anónimo disse...

O DOM DE RIR

Minha mulher a tudo achava graça:
como criança de alma ainda pura,
em todo o sítio ou em qualquer altura,
de tudo ria, menos da desgraça.

Eram faladas suas gargalhadas
que, atravessando portas e janelas,
faziam ressonância nas estrelas
e eram pelos anjos escutadas!

Se em vez de ser católico romano
eu fosse apenas um pagão profano,
sabeis o que diria a esse respeito?

Que o dom de rir assim, de peito feito
e alma sã, sem ânimo de ofensa,
era dos deuses uma graça imensa!

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

RIU OU CHOROU?

Um jesuíta e um franciscano um dia
de razões se travaram a respeito
de se Jesus nos braços de Maria
chorava ou antes ria satisfeito.

- "Chorava a bom chorar, eu lhe garanto" -
- dizia o jesuíta convencido -
"ele chorava e soluçava tanto
que não se ouvia mais nenhum ruído".

- "Como é que não havia de se rir
se abrindo os olhos viu a ambos os lados
dois pobres animais ajoelhados?!

E disse para si, como supus
e não me venha, padre, retorquir:
"É esta a companhia de Jesus?"

João de Castro Nunes

Anónimo disse...

RIR À SOCAPA

Que um senador romano não se risse
por ser contrário à sua gravidade,
piamente acredito, ainda que ouvisse
um dito da maior alacridade.

Mas que Jesus nunca se houvesse rido
em toda a sua vida humanizada,
essa, a meu ver, não faz nenhum sentido
nem me merece crédito... por nada.

Como é que não havia de se rir
entre as crianças que, para o ouvir,
à sua volta, às vezes, se juntavam?

Estou a vê-lo rir-se intimamente
dos fariseus que lhe faziam frente
e, confundidos, dele se afastavam!

João de Castro Nunes