22 de julho de 2009

DARWIN, OS EFLÚVIOS E AS ELEIÇÕES

Representação abreviada da classe política portuguesa, em pleno esforço de emissão de eflúvios (com a devida vénia para com o grande João Abel Manta)


Aquilo que se costuma designar (com mais pompa do que verdade) por Democracia Portuguesa tem vindo a sofrer, ao longo das idades eleitorais, um curioso processo de transformação. Refiro-me à metamorfose que vincula esta forma de governo não tanto à matriz dos méritos necessários ao exercício de funções públicas, mas ao selo da hereditariedade, o qual, à partida – certamente por ignorância nossa – se nos afigurava como completamente alheio ao mesmo trabalho.

Convidamos o leitor a fazer um breve exercício. Pesquise atentamente os nomes e sobretudo os apelidos dos ilustríssimos e capacíssimos candidatos a cargos legislativos e autárquicos. Depois, descubra os homónimos na vasta floresta das figuras políticas em actual ou pretérita actividade neste pátrio e gentil torrão, sejam tais figuras maiores, assim-assim ou menores. Vai ver que descobre esta coisa espantosa: o gene de tal gente é tamanhamente transbordante que se plasma nas candidaturas dos filhos e filhas, dos sobrinhos e sobrinhas, dos primos e primas e dos demais parentes e amigalhaços, em linha descendente, ascendente e colateral.

O génio de Darwin, de que celebramos o segundo centenário, não foi bastante para explicar tal prodígio. No entanto, é ele que nos oferece as melhores pistas e hipóteses de explicação. É ou não verdade que a hereditariedade transfere caracteres dominantes e recessivos à progénie? É verdade. Assim sendo, está explicado o enigma. Os titulares de cargos públicos acumulam nas gónodas a excelência e brilho dos seus desempenhos funcionais. E, logo depois, vertem essas magníficas e únicas potencialidades no bornal físico, psicológico e mental da descendência. É por isso que esses candidatos são, sem contradita, os mais capazes que poderiam encontrar-se para o carreirinho do Poder.

Pois sim, dirão os mais suspicazes, mas isso não explica a integração em listas eleitorais de ascendentes e de colaterais, senão mesmo de compadres e comadres. Esta argumentação não colhe. É um erro inadmissível, erro do tenebroso espírito analítico e racionalista que vem corroendo o Ocidente, desde Descartes a Kant, passando por Bertrand Russell e Wittgenstein. É que a actual classe política não actua apenas por via física, fisiológica, gonodal. Opera também por via aérea, metafísica, cabalística. Ela lança eflúvios de genialidade sobre a vasta e ignara parentela; de tal modo que, mirabile dictu, o simples convívio, mesmo distanciado, com a lata Família ou até com o estrito Compadrio dos já eleitos, torna imediatamente elegíveis os felizes usufrutuários dessa mesma convivialidade.

Lembremos a figura de S. Luís de França, o Taumaturgo, para o qual corriam gafos e ictéricos, tísicos e coxos, com a secreta esperança de O poderem tocar. Isso lhes valeria a cura imediata das suas terríveis maleitas. Pois bem: os nossos políticos, ex-políticos e demais venturosos servidores da Causa Pública carregam com eles o poder miraculoso de converterem todos os imbecis, idiotas e cretinos profundos, pelos eflúvios que lançam a partir das suas esforçadas secretárias (estou a referir-me a mobiliário, bem entendido), em Cidadãos dotados, prestantes, arguciosos, finos. É por isso que a actual deriva democrática para formas de República hereditária tem toda a razão de ser. Falta chegar ao exercício vitalício de funções para que desemboquemos na tal Monarquia Republicana de que falam alguns.

A atentar no que se vai passando, esse dia está próximo. Graças a S. Luís! E graças a nós todos, que continuamos a acreditar que vivemos em Democracia …

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