17 de maio de 2012

AUTÓPSIA DE UMA GOVERNAÇÃO

Uma calamidade completa: o desemprego real ultrapassa em Portugal o milhão de pessoas! Isto acontece devido, fundamentalmente, ao ideário de ultra-liberalização dos que nos governam. Não há pior aconselhamento do que aquele que resulta de esquemas rígidos, pré-concebidos e moldados sobre realidades sociais e históricas diferentes da nossa. O governo português está entregue a estrangeirados, que imaginam que podem ser introduzidas entre nós, de supetão, as mesmas receitas que contribuíram, em certos momentos, para conferir prosperidade a países de capitalismo desenvolvido, com particular relevância para os Estados Unidos da América. Estes visionários da desgraça colocam o assunto nas baias da seguinte moldura lógica: abolido até à raiz o chamado “Estado Social”, colocados os cidadãos pelintras perante o mercado, eles teriam forçosamente de “criar a sua oportunidade”. Não mais função pública, não mais garantia de empregabilidade oficial, não mais sentimento de segurança. Assim sendo, cada um teria de se fazer empreendedor ou empresário, cada um seria dono e patrão de si mesmo, colhendo cada um o retorno do seu engenho e da sua capacidade de investimento. Foi isto, pensa Coelho e os seus apaniguados, que fomentou a riqueza das regiões de além-Atlântico. O primeiro-ministro sonha com um Hill Street em Lisboa e com um imenso florescimento da iniciativa privada um pouco por todo o lado. Ora, a rotura que este governo pretende fazer não é apenas o resultado de um mecanicismo mental completamente à margem da realidade e das tradições portuguesas. É uma perigosa miragem e um embuste, seja este deliberado ou não. Portugal não é um país prenhe de recursos, nem sequer apresenta um espaço geográfico imenso e pronto a ser desbravado por garimpeiros ou vendedores de ferraduras para cavalos. Portugal é (já o disse uma vez) um país adornado no sentido do litoral e completamente exausto e abandonado nas suas regiões de interior. E estas são de uma pobreza e de uma escassez de recursos que apertam o coração de todos os que ainda o sintam bater. Ora, não havendo recursos, não poderão existir oportunidades de iniciativa ou horizontes de investimento. Foi por ter sido assim, que as passadas governações, mesmo as da Primeira República, fizeram do nosso país um território de funcionários públicos. Não foi isto determinado pelo facto de se reconhecer que não existiam nos portugueses os genes da “capacidade industrial e industriosa”. Nada disto! Foi assim porque esta Pátria pouco tinha para oferecer, além dos frutos do mar, laboriosamente colhidos por pescadores, e dos frutos da terra, semeados e guardados pelo suor dos lavradores. E Portugal pôde ser o que foi com base em três esteios proverbiais: funcionários públicos, pescadores e agricultores. Veio a Europa e roubou-nos a pesca e a agricultura. Ficaram os funcionários públicos. Depois, veio o Coelho e decidiu, do alto do seu dogmatismo neo-liberal, que o País deveria ser, custasse o que custasse, uma desfocada imagem dos Estados Unidos da América ou talvez do Canadá. E começou a grande montaria ao funcionário público e depois ao trabalhador que tivesse alguma garantia de estabilidade profissional. O Coelho tinha de criar um espécime português novo, que mastigasse pastilha elástica, vagueasse no desencantado território, de um lado para o outro, encarasse com nojo a função pública e estivesse convicto de que a riqueza estava já ali, à mão de semear da sua voluntária iniciativa. Mas Portugal permaneceu. Permaneceu não igual, mas pior. Pior no seu abatimento, pior na sua desertificação, pior no seu desencanto, pior na avareza dos recursos inexistentes. O Coelho é que não desistiu, não desiste, não desistirá. O Coelho persiste em fazer coincidir este pobre Portugal exausto com o delírio da sua imaginação exaltada e doente. O Coelho já atirou para a valeta da vida com milhares de famílias. Deixem-no ficar e ele poderá ser o governante da pastilha elástica, cercado de andrajosos por todos os lados menos por um: o da gente que o bajula, simulando com ele concordar.

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