17 de agosto de 2012
UNAMUNO E O HUMANISMO
Os restantes saberes e técnicas comprazem-se amiudadas vezes com esta pergunta, dirigida ao saber humanístico: mas para que servem essas coisas? Ora, a tão bruta questão, os cultores do saber humanístico terão de replicar que as matérias que cultivam não terão um préstimo tão manifesto quanto o de um pente ou o de uma abóbora. Mas logo replicarão qu
e o pente e a abóbora foram criados pelo homem para cumprirem as suas funcionalidades fora do homem. E que a Literatura, a História, a Filosofia, as Artes ou a Música, até mesmo a Geografia, foram inventadas pelos mesmos homens para produzirem os seus efeitos dentro deles. Há um texto formosíssimo de Miguel de Unamuno, intitulado Adentro ! que nos explica tudo isto em palavras quase divinas. Citarei então, correndo a tradução por minha conta: “ Dizes-me na tua carta que se até agora foi tua divisa adiante, doravante será acima ! Deixa isso do adiante e do atrás, do acima e do abaixo para progressistas e retrógrados, para ascendentes e descendentes, que só se movem no espaço exterior, e busca o outro, o teu âmbito interior, o ideal, o que é da tua alma. Forceja por meter nela o Universo inteiro, que é a melhor maneira de derramar-te nele. Considera que não há dentro de Deus mais do que tu e o mundo e que se formas parte deste, porque te mantém, forma também ele parte de ti, porque em ti o conheces. Em vez de dizeres pois adiante! ou acima! diz para dentro! (adentro!). Reconcentra-te para irradiar, deixa encher-te para que logo te escoes, conservando o manancial. Recolhe-te em ti mesmo para melhor dar-te aos demais todo inteiro e indiviso. Dou quanto tenho – diz o generoso; dou quanto valho – diz o abnegado; dou quanto sou – diz o herói; dou-me a mim mesmo – diz o santo; e diz tu com ele, ao dar-te: dou comigo o Universo inteiro. Para isso, tens que fazer-te Universo, buscando-o dentro de ti. Para dentro (adentro!)”.
A verdade é que o diálogo do homem consigo mesmo não é, em termos de economia pura, uma tarefa de elevada rentabilidade. Somos pobres de meios e sempre o iremos ser. Mas como tudo se passa no mais íntimo, no mais profundo, no mais radical de nós mesmos, o nosso Ócio criativo não necessita de muito para viver. O actual universo da tecnocracia compraz-se em derrancar-nos com a temerosa acusação de as Humanidades ensinam “cursos de papel e lápis”. Pondo de fora os computadores que vamos tendo, isto não deixa de ser verdade. Mas é com papel e lápis – agora também com o teclado de um modesto computador, obrigatoriamente dotado do programa Word – que nós partimos para a aventura de vislumbrar primeiro a interioridade do ser humano, tentando-a aperfeiçoar depois. Não necessitamos, portanto, de complexas e dispendiosas engenhocas para o cumprimento da nossa função. E esta, que para muitos constitui a nossa debilidade, é para nós a maior das fortalezas. Podem as economias ruir com fragor, os impérios esfacelarem-se sem remédio, as engenharias técnicas cederem nos seus alicerces e as convenções do bem-estar sofrerem colapsos graves que sempre se descobrirá um qualquer terreiro onde se possam reunir mestres e discípulos , Humanistas , munidos de lápis e papéis , com o móbil de praticar o "adentro!" de que falava Unamuno.
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