27 de agosto de 2012

A EUROPA VENDEU A ALMA AO DIABO

As agregações sociais não são -ou não devem ser - uns tantos milhões de estômagos que digerem em comum rações leoninamente distribuídas. São também -ou devem sê-lo - inteligências que perscrutam e sensibilidades que salvam. Deixemos que a cigarra cante, no seu ócio criativo e superador. Façamos o que estiver ao nosso alcance para que, pelo eco do Belo, do Bom e do Justo, o mundo realize a única grande revolução perene que o haverá de salvar e que se identifica com a permanente e atenta radicação de valores actualizados e actualizáveis. Em meu entender, o essencial do programa dos próximos cem anos está aqui e em tal consiste. A divisa das "litterae humaniores" continua a ser aquela que se transferiu de um obscuro comediógrafo do século II antes de Cristo à elegância retórica dos Humanistas, destes ao utopismo de Fourier e de Claude-Henri de Saint Simon e que se difundiu mesmo aos desafios iconoclastas do humor surrealista: “sou homem; de nada do que é humano me posso alhear”. Sendo esta a divisa, não poderemos aguardar facilidades. Não as iremos ter. Isto é assim porque a Europa, outrora matricial, se desfigurou sem remédio, vendendo a alma pelas lentilhas do consumo totalitário e alarve. Esta Europa deu-se a negócios de viela suja, converteu-se em formigão negro e feio e passou a desferir imprecações de desprezo contra tudo o que poderia encantá-la. Por isso, desdenhou dos requintes da interioridade racional e afectiva, passando a formular a pergunta crassa, "para que é que isso serve?" , que outrora lhe teria sido imputada como sacrílega pelos filósofos da Grécia e pelos tratadistas do Direito romano. É que estes, a poderem ser ouvidos, lhe diriam que é a Beleza o elemento dulcificador das aparências, a Bondade o factor mitigante da reacção animal e a Justiça o fiel da balança da controvérsia dos interesses. O fosso é simples, pois separa sem remédio, como diria Pascal, os restos das asas dos anjos dos reptilianos assomos das bestas.

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