Gomes Freire de Andrade foi um notável Oficial do Exército português. A sua vida decorreu em tempos extremamente difíceis e a sua morte viria a ser a culminação de uma tragédia exemplar. Nos começos do século XIX, a Europa era alvo das ambições hegemónicas de Napoleão Bonaparte, imperador de França. A imoderada voracidade bonapartista foi contrariada por potências defensoras de realezas absolutistas, como o eram a Áustria e a Prússia ; mas mereceu também o firme repúdio da Grã-Bretanha, potência que não ombreia com aquelas, devido à sua longa tradição de reconhecimento de direitos e garantias individuais. Para poder dobrar a Grã-Bretanha aos seus apetites, Napoleão tentou obter dos países europeus com portos marítimos o compromisso de não encetarem quaisquer negócios com a marinha mercante britânica. Este “bloqueio continental” também contemplou a governação portuguesa, a qual vivia uma conjuntura de grande angústia, devido à alienação mental da Rainha D. Maria I e à menoridade do Príncipe D. João, impedido, por esse motivo, de subir ao trono. Os expedientes dilatórios dos decisores portugueses originaram a cólera do Imperador francês, que ordenou a ocupação do nosso território. As tristemente célebres invasões francesas decorreram entre 1807 e 1810. Quando, por alturas da primeira invasão, o general Junot irrompeu em Lisboa, a família real, uma parte significativa da aristocracia portuguesa e a quase totalidade do alto clero tinham acabado de partir para o Brasil, em navios surtos no Tejo e apressadamente carregados de preciosos bens.
Um dos processos de que se servia Napoleão para reforçar o seu poder de combate consistia na requisição de militares competentes e na sua forçada inclusão nas fileiras do exército francês. Gomes Freire não escapou a tal sorte, tendo partilhado, forçadamente, a sorte da falida aventura napoleónica. As três invasões a que Portugal se viu sujeito tiveram efeitos deploráveis, desorganizando completamente as nossas actividades económicas. Os governantes portugueses, com a concordância da Corte, agora no Rio de Janeiro, decidiram instar a Grã-Bretanha a proporcionar ajuda militar a Portugal. Os contingentes britânicos que entre nós passaram a combater vieram acompanhados de chefes distintos. Estiveram neste caso as personalidades do Conde de Wellington e de William Carr Beresford. Vencidos os franceses, foi este último que ficou à frente da Administração portuguesa, em nome da Corte do Rio de Janeiro.
Gomes Freire de Andrade regressou à sua Pátria. Vinha cansado de pelejar. Declarou o propósito de fazer repousar a espada e de encarar o deslizamento para uma velhice bonançosa. Era, contudo, uma figura suspeita a Beresford. A principal causa desta suspeição radicava no facto de ser Gomes Freire o Grão-Mestre da Maçonaria portuguesa. Na ordem estritamente política, a Maçonaria aprofundava os ideais da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade que haviam sido a principal referência ideológica da Grande Revolução francesa de 1789. Tais valores não poderiam deixar de ser execrados pelo representante de um Poder absolutista, ancorado nos privilégios aristocráticos e nos dogmatismos de casta.
Certo dia, num botequim de Lisboa, um militar português, semi-etilizado, falou na irritação que lavrava entre alguns dos seus camaradas. Era necessário, dizia, expulsar Beresford e a sua gente, fazer regressar do Brasil os que aí permaneciam, indiferentes à sorte da Pátria, e encaminhar o país para um futuro mais venturoso. E acrescentou que havia já entendimentos com Gomes Freire, que se dispunha a chefiar este suposto pronunciamento. Mas o poder de Beresford – como todo o poder autoritário e arbitrário – baseava-se na vigilância e na delação. Alguém ouviu. E esse alguém não se coibiu de informar Beresford da hipotética conspiração em marcha.
Estaria Gomes Freire ao corrente do que se tramava? É possível que sim. Mas seria ele um activo e empenhado conspirador? É duvidoso. Parece que ele apenas se dispunha a seguir atentamente a marcha dos acontecimentos e a retirar a espada do armário, se e quando a Pátria disso necessitasse.
Beresford agiu no imediato. Mandou prender todos aqueles que se encontravam incursos na suspeita de conluio e não poupou Gomes Freire à mesma punição. O general português não se iludiu sobre a sorte que o esperava. Dizia-se que Beresford se dispunha a desencadear sobre os prisioneiros uma punição exemplar. Aguardava-os a forca. Gomes Freire sentiu-se injuriado e não quis admitir a hipótese de sofrer a mesma punição que, naquele tempo, era aplicada aos grandes e contumazes criminosos. Não temia a morte, mas desejava-a digna de si, ou seja, aspirava a um fim digno do seu prestigioso passado. Assim, só se imaginava fardado, ostentando a sua gloriosa espada, em frente de um pelotão de fuzilamento que descarregaria as armas à sua voz de comando e de disparo. Foi isso que reclamou de Beresford e da Corte do Brasil. Mas um Poder absoluto, quando acossado, só consegue agir com a crueza das bestas. Gomes Freire de Andrade acabaria enforcado no forte de S. Julião da Barra. E a sua espada? Essa adormeceu no tempo, e despertou um dia, em plena ditadura salazarista, na escrita de Luís de Sttau Monteiro. É que … Felizmente há luar. E se os meus leitores não conseguirem decifrar plenamente esta alusão, queiram dar-se ao trabalho (e ao prazer) de se fazerem leitores de Sttau Monteiro. A espada de Gomes Freire ainda cintila. É que os grandes Ideias, as grandes Figuras, as grandes Memórias nunca morrem! Haverá sempre luar no coração generoso dos que sabem amar Portugal. Vamos ler o Felizmente há luar?
Um dos processos de que se servia Napoleão para reforçar o seu poder de combate consistia na requisição de militares competentes e na sua forçada inclusão nas fileiras do exército francês. Gomes Freire não escapou a tal sorte, tendo partilhado, forçadamente, a sorte da falida aventura napoleónica. As três invasões a que Portugal se viu sujeito tiveram efeitos deploráveis, desorganizando completamente as nossas actividades económicas. Os governantes portugueses, com a concordância da Corte, agora no Rio de Janeiro, decidiram instar a Grã-Bretanha a proporcionar ajuda militar a Portugal. Os contingentes britânicos que entre nós passaram a combater vieram acompanhados de chefes distintos. Estiveram neste caso as personalidades do Conde de Wellington e de William Carr Beresford. Vencidos os franceses, foi este último que ficou à frente da Administração portuguesa, em nome da Corte do Rio de Janeiro.
Gomes Freire de Andrade regressou à sua Pátria. Vinha cansado de pelejar. Declarou o propósito de fazer repousar a espada e de encarar o deslizamento para uma velhice bonançosa. Era, contudo, uma figura suspeita a Beresford. A principal causa desta suspeição radicava no facto de ser Gomes Freire o Grão-Mestre da Maçonaria portuguesa. Na ordem estritamente política, a Maçonaria aprofundava os ideais da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade que haviam sido a principal referência ideológica da Grande Revolução francesa de 1789. Tais valores não poderiam deixar de ser execrados pelo representante de um Poder absolutista, ancorado nos privilégios aristocráticos e nos dogmatismos de casta.
Certo dia, num botequim de Lisboa, um militar português, semi-etilizado, falou na irritação que lavrava entre alguns dos seus camaradas. Era necessário, dizia, expulsar Beresford e a sua gente, fazer regressar do Brasil os que aí permaneciam, indiferentes à sorte da Pátria, e encaminhar o país para um futuro mais venturoso. E acrescentou que havia já entendimentos com Gomes Freire, que se dispunha a chefiar este suposto pronunciamento. Mas o poder de Beresford – como todo o poder autoritário e arbitrário – baseava-se na vigilância e na delação. Alguém ouviu. E esse alguém não se coibiu de informar Beresford da hipotética conspiração em marcha.
Estaria Gomes Freire ao corrente do que se tramava? É possível que sim. Mas seria ele um activo e empenhado conspirador? É duvidoso. Parece que ele apenas se dispunha a seguir atentamente a marcha dos acontecimentos e a retirar a espada do armário, se e quando a Pátria disso necessitasse.
Beresford agiu no imediato. Mandou prender todos aqueles que se encontravam incursos na suspeita de conluio e não poupou Gomes Freire à mesma punição. O general português não se iludiu sobre a sorte que o esperava. Dizia-se que Beresford se dispunha a desencadear sobre os prisioneiros uma punição exemplar. Aguardava-os a forca. Gomes Freire sentiu-se injuriado e não quis admitir a hipótese de sofrer a mesma punição que, naquele tempo, era aplicada aos grandes e contumazes criminosos. Não temia a morte, mas desejava-a digna de si, ou seja, aspirava a um fim digno do seu prestigioso passado. Assim, só se imaginava fardado, ostentando a sua gloriosa espada, em frente de um pelotão de fuzilamento que descarregaria as armas à sua voz de comando e de disparo. Foi isso que reclamou de Beresford e da Corte do Brasil. Mas um Poder absoluto, quando acossado, só consegue agir com a crueza das bestas. Gomes Freire de Andrade acabaria enforcado no forte de S. Julião da Barra. E a sua espada? Essa adormeceu no tempo, e despertou um dia, em plena ditadura salazarista, na escrita de Luís de Sttau Monteiro. É que … Felizmente há luar. E se os meus leitores não conseguirem decifrar plenamente esta alusão, queiram dar-se ao trabalho (e ao prazer) de se fazerem leitores de Sttau Monteiro. A espada de Gomes Freire ainda cintila. É que os grandes Ideias, as grandes Figuras, as grandes Memórias nunca morrem! Haverá sempre luar no coração generoso dos que sabem amar Portugal. Vamos ler o Felizmente há luar?
2 comentários:
Meu Caro Amigo,
A capacidade de enunciar em poucas palavras feitos que, contados por outros, demorariam tempos infindos é uma virtude que lhe reconheço e louvo.
Gomes Freire é uma figura que admiro desde a minha juventude e continuo a estudar com toda a atenção.
Grão-Mestre da Maçonaria Portuguesa isso, só por si, não faria dele personagem perigosa aos olhos do general inglês habituado a conviver nas fileiras do Exército do seu país com maçons tidos, havidos e reconhecidos como tal. Assim, sem contradizer o meu Amigo, eu acrescentaria que Beresford se preocupava mais com a defesa dos interesses comerciais ingleses, em Portugal e no Brasil, do que com a simples segurança de um rei (ao que consta do retrato dele debuxado por Oliveira Martins) quase boçal e de certeza provinciano aos olhos de um oficial britânico. Terá sido a alteração da ordem externa (e não da interna) que esteve no cerne da preocupação do presidente da junta governativa, pois o regresso da corte a Lisboa poderia (o que é duvidoso, contudo) alterar o fluxo comercial a favor de Londres. Era necessário que por cá se continuassem a comprar os panos ingleses e que do Brasil fosse possível carrear para as Ilhas Britânicas as excelentes madeiras. O vinho estava garantido, havia muito.
Gomes Freire, Grão-Mestre da Maçonaria era, de certeza, uma voz activa na defesa dos interesses da burguesia comercial portuguesa. Esse o seu maior «pecado».
Negar-lhe o pelotão de fuzilamento, substituindo-o pela infamante forca, foi a forma simbólica de mostrar à burguesia nacional que nenhuma espada militar estava ao seu dispor, restando-lhe submeter-se à vontade do mercado londrino.
Esta é a minha interpretação que, como se vê, não seria tão certeira quanto a do meu Amigo para despertar a curiosidade para a obra de Sttau Monteiro.
Desculpe-me esta incursão que desejei mais curta.
Continuo entusiasmado na leitura do seu blog, como se percebe. Prossiga, porque todos, de certeza, esperamos as suas opiniões e o seu saber.
poderião escrever mais sobre a conspiração de Gomes Freire...
Enviar um comentário