18 de dezembro de 2006

A REPÚBLICA

A tensão entre o público e o privado é transversal a todas as épocas e oferece matéria de cogitação a todas as culturas. É aqui que se situa o núcleo polémico desses conglomerados teóricos de vocação conclusa e conclusiva a que chamamos ideologias. É possível afirmar que, desde sempre, o imperativo republicano, centrado na ideia de Bem Comum, se confronta com a reivindicação individualista do Privilégio. A fundamentação justificativa dos estatutos de excepcionalidade ou de privilégio acompanha historicamente o primado hegemónico dos detentores do mando. Nas sociedades clássicas e patriarcais foram invocadas anterioridades genealógicas para a demonstração da pretensa superioridade dos aristói ; por sua vez, foi no interior do Antigo Regime que a dominância do sagrado fundou a superioridade quer no serviço de Deus, quer no providencial destino dos ungidos e escolhidos pelo Poder Transcendente ; a teoria do contrato social, subjecente à constitucionalização da cidadania contemporânea, transfere para os planos de imanência a questão da hegemonia, fazendo-a assentar num elenco de méritos pessoais. Cumpre notar, porém, que a noção referencial de Bem Colectivo ou de Bem Comum se encontra invariavelmente contida , como instância limitadora e correctiva, em todos estes quadros de legitimação. A genealogia aristocrática, o providencialismo teocrático ou teológico e a meritocracia contemporânea reconhecem por igual a região exterior do que é de todos, daquilo que a todos serve, daquilo por que todos devem viver ou até, em casos extremos, por que todos devem morrer. Existe, portanto, uma ideia de res publica que claramente ultrapassa a realidade histórica e concreta das Repúblicas institucionalizadas. Neste sentido, o republicanismo, mais do que um modo específico de organização social e institucional, é uma exortação perene, uma conclamação permanente, um desafio que se desfralda para lá das balizas de um tempo limitado e particular.

4 comentários:

Anónimo disse...

Considero interessante esta abordagem. Gonçalo Pereira

Luís Alves de Fraga disse...

Esta é a abordagem de um Mestre que muito ponderou sobre os conceitos aqui expendidos. Abordagem sobre a qual me vou debruçar com o intuito de lhe definir todos os contornos explícitos e implícitos.

Anónimo disse...

E a falência da república deveu-se à clivagem entre esse ideal e uma sociedade organizada segundo o princípio do privilégio. Mas não será esse o drama actual? (Miguel Santos)

Anónimo disse...

este destaque a questão republicana e permaencia do pensamento e dapratica do patrimonialismo nos leva a refletir a noção de permanencias na história. A republicana brasileira vive lutando contra as práticas clientelistas.