7 de janeiro de 2007

A ELEGANTÍSSIMA POLÍTICA LOCAL

Como se sabe, a luta política na nossa cidade é uma coisa virtual e praticamente inexistente. Chega-se ao cúmulo de se verificar que as vozes verdadeiramente incómodas e dissonantes se não fazem ouvir nos órgãos aonde era suposto fazerem-se escutar, mas antes ecoam em jornais, por conta e risco da mera iniciativa individual.
No entanto, surgem por vezes fenómenos aberrantes, oscilando entre o provincianismo e a má-criação. Imaginam alguns que fazer oposição séria, consistente e eficaz é escreverem textos em péssimo português, mas inçados de vocábulos grosseiros, de alusões de taberna e de deselegância q.b. (quanto baste).
Tenho verificado que a última inovação neste caceteirismo incipiente, neo-miguelista e rasteiro, é a supressão dos títulos académicos que os adversários, reais ou supostos, legitimamente conquistaram, uns em provas públicas, outros em exames inatacavelmente legais. Esta prática não é sequer uma particularidade local. Descende em linha recta de muito Senhor Deputado, com fato, gravata e sapato de polimento, da Assembleia da República. Daí se espraia por alguns Digníssimos Presidentes da Câmara, das Juntas de Freguesia, dos Bombeiros ou das Confrarias Gastronómicas. Como se sabe, há na política um mecanismo endógeno chamado maniqueísmo. Esta perversão, que é também um sintoma de miséria mental, consiste na atribuição do foro angélico aos nossos correligionários e na diabolização projectada sobre os oponentes. Imaginemos que um destes exemplares de políticos feitos à pressa quer atacar um adversário que é profissionalmente engenheiro. Ele nunca o designará por Senhor Engenheiro Costa (partamos do princípio que a “vítima” se chama Costa) ; conforme o agravo e a fúria combativa do Sagitário, o infeliz visado tanto poderá ser o Engenheiro Costa (com supressão da Senhoria), como o Senhor Costa (com supressão do título académico e profissional), como o Costa (com supressão de ambos, ou seja, da Senhoria e do título). Estes políticos improvisados não se dão conta que o máximo que conseguem, com a sua furibunda e ridícula linguagem, é que os julgadores finais das suas palavras, ou seja, os cidadãos-eleitores, tenham por eles um sentimento de comiseração, temperado por algum vestígio de repugnância, sentimento que decorre de uma coisinha – acessória nos dias de hoje, mas verdadeiramente fundamental em todos os tempos – que se chama … Cultura.
Convido os eleitores de Coimbra a atentarem na forma cavernícola, primária e rebaixada como alguns dos nossos políticos (???) locais, em actividade, para mal deles e nosso, exercem hoje a sua função, nos diversos actos através dos quais nos representam. E deixo um desafio a tal gente : o de que, doravante, levando ao limite a sua rudeza e a sua carapaça de “casca-grossa”, passem a designar cada adversário pessoal ou político como o Gajo, o Coiso ou o Magano. É isto que lhes vai a carácter …

3 comentários:

Anónimo disse...

Estou totalmente de acordo com essa opinião. Acrescento mais uma coisa, que mais do que cultura falte a
estes senhores, de fato e gravata, o BOM SENSO!
Não quero parecer pessimista mas penso que esta falta de bom senso vai permanecer, para mal dos nossos pecados.

Anónimo disse...

Creio que infelizmente esta supressão dos qualificativos de cada um («Sr.», «Dr./ Doutor», «Prof.», «Eng.»,
«Arq.», «Padre» - nas raras eventualidades - etc.) veio para ficar. Uma instituição como a Associação Comercial do Porto fê-lo estatutariamente, após diplomáticas negociações com uma congénere espanhola (para «facilitar os contactos»...). Título, agora só o «Presidente», que é isso e deixou de ser «Dr.». Os outros não são nada e são tratados pelo nome próprio. E o mesmo se vai passando nos meios universitários: o fenómeno do «tutoyer» ( = tratar por tu) há muito que começou a ganhar força entre o professorado do Ensino Superior numa França (mormente em instituições como uma EHESS), numa Itália ou numa Espanha. E entre nós, basta que a diferença de idades/gerações seja menor para que se generalize ou «Eh pá, tu cá», «tu lá», acrescentado de uma expressão que em 1975 ficou célebre na boca do Alm. Pinheiro de Azevedo... Se alguma Sr.ª, surpreendida, reage, é logo apelidada de «Tia da Linha». E pergunto eu: alguém imagina que se tratasse simplesmente por «António» uma pessoa insigne como o antigo Reitor da UC Doutor António de Arruda Ferrer Correia (1912-2003) ? É que ele teria por certo resposta adequada: um dia chegou a uma reunião a que deveria presidir, do topo de longa mesa. Perto da porta, ao fundo da sala, estavam pessoas amigas com quem se estabeleceu conversa, tendo-se a dado momento o Doutor Ferrer sentado. Eis senão quando, alguém da Organização o chama:

- Sr. Doutor, faz favor de ocupar a Presidência - e fez um gesto para o dito topo da mesa.

Resposta pronta:

- Meu Querido Amigo, onde eu me sentar, eis aí a Presidência !

Ou então - mas esta é efabulação a partir de dados reais - como o General Charles de Gaulle (1890-1970), que após uma intervenção cirúrgica de que rapidamente se restabeleceu durante o 1.º mandato presidencial (1959-1966), achou que deveria colocar flores no altar-mor da «Notre Dame», perante Cristo crucificado. Mas que palavras devia escrever no cartão que acompanharia as flores, agradecendo por certo a graça de um rápido restabelecimento ? Teria assente nesta fórmula:

- Do primeiro Homem da França à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade...

Fórmulas majestáticas ? Sem dúvida. Mas vinham de quem emanava uma autoridade natural. Eram «Senhores», coisa que, infelizmente, vai rareando...

Um grande abraço

Armando Luís de Carvalho Homem.

Luís Alves de Fraga disse...

Não estando ligado à política "local" a que se refere, no meu blog, faço, algumas vezes, menção aos homens que nos governam, em especial os ministros, incorrendo na fórmula mais elementar que indicou (o uso exclusivo do nome). Faço-o, contudo, quando a legitimidade dos seus actos já está gasta ou, aparentemente, nunca existiu.
Creio que a atitude tem fundamento na Ciência Política, por constituir um claro indício do destanciamento entre o governante e o governado. Julgo que não se enquadra no padrão da prática "local", mas, admito, algumas vezes tem por trás a força da vergastada. Lá isso não nego! E, depois, há, entre os nossos governantes, títulos académicos tão duvidosamente adquiridos!
Não estou, naturalmente, a fazer a apologia da má educação, mas se senti necessidade de me justificar é porque a minha consciência foi tocada pelas suas prudentes e graciosas palavras. Provavelmente, terei de rever o tratamento que atribuo aos nossos governantes! Terei?!