13 de dezembro de 2006

UMA EUROPA DOENTE


Este espaço territorial fluido – porque nem sempre bem delimitado – a que damos o nome de Continente Europeu, foi exercitando o seu trabalho de sobrevivência, ao longo das idades, adicionando significados complementares ao seu acto estrito de persistir e de viver. Nas civilizações clássicas, grega e romana, a construção das cidades-estado ou do espaço imperial não susteve o labor da afirmação dos valores. E foi precisamente por isso, por essa pertinácia em acrescentar uma identidade de pensamento às coligações defensivas das anfictionias ou aos projectos ofensivos da romanização extra-territorial , foi basicamente por isso que hoje o património clássico é reconhecido como um fundamento identitário da tradição europeia. No caso grego, o aditamento a que nos referimos chamou-se Filosofia ; no caso romano chamou-se Direito. Este empenho de buscar um sentido interior e exterior às imposições biológicas e às servidões da nutrição, de superar o drama imediato do existir através de valorações superadoras, é ainda mais visível no espaço claustrado de uma Europa medieval, dobrada sobre a adoração da Divindade católica, para através dela proclamar a sua diferença essencial perante as hordas selváticas da barbárie. A primeira globalização renascentista, concretizada através da aventura dos descobrimentos marítimos, também não se exauriu totalmente no somatório da pura ganância mercantil. Houve em tudo isto uma singular percepção de aventura, de sonho, de transbordamento de limites e de espanto utopista. Podemos imaginar, como divisa simbólica, que Camões não permitiu que o naufrágio de um barco, talvez carregado de especiarias, tivesse metido a pique o livro d’Os Lusíadas, ou seja, a melhor e mais valiosa parte da carga. E se o alvorecer do industrialismo europeu fez nascer os gananciosos financistas, os cúpidos negreiros e os implacáveis capatazes fabris, não é menos verdadeiro que também fez medrar a mensagem da emancipação romântica, do protesto socialista e, mais adiante, da recriação do simbolismo e do surrealismo. Olhamos para trás e o que vemos é isto. E continua a ser isto que nos torna tão exíguo, tão desolado e tão pardacento o presente que habitamos.É como se a Europa tivesse perdido, passo a passo, todos os suprimentos da alma que um dia fora sua. É como se, cansada de si, a Europa tivesse ido pedir a um qualquer tio rico o pagamento ou a espórtula de um novo bilhete de identidade.É como se, num suicidário lance niilista, este Continente tivesse perdido todas as referências que outrora a tornaram justa, bela e verdadeiramente livre. A Europa entrou em dispepsia pragmática, em sonambulismo economicista, em amnésia teórica. A questão está toda em saber se lhe será diagnosticada a doença do sono, que pode ser curada, ou a doença de Alzheimer, que é inelutável.

1 comentário:

Anónimo disse...

Este blog vai de vento em popa e com uma bolina... que só visto! Deve ser preciso muita força na verga, para aguentar um vento destes.
E além disso está a ser um modelo de produção não só em quantidade mas, sobretudo, em qualidade.
Parabéns e continua assim que a malta gosta.
1 abraço