Vem primeiro a notícia do acidente de viação, depois a do contrato milionário do tal jogador de futebol, a seguir a do tufão nos mares asiáticos e a do aluno que bateu no professor e a do afundamento das cotações na Bolsa e mais a da manifestação sindical e a do tigre à solta numa zona rural qualquer (que afinal não era tigre mas antes cão grande) e mais esta, e mais outra e mais aqueloutra, e mais, e mais, e mais.
O mundo é hoje uma orgia de informação : informação áudio-visual, na televisão, informação puramente auditiva, na rádio, informação virtual, via Internet, informação profissional, transmitida pelos nossos colegas de trabalho, informação social, naquele jantar de anos, informação, informação, informação.
Há um dito latino que nos diz que quod abundat non nocet – “o que abunda (ou o que está a mais) não prejudica”. Cremo-lo falso, quase perverso. O que abunda, o que está a mais, trivializa, cria a ilusão do espectáculo sem consequências. Tudo parece valer o mesmo, ou seja, muito pouco. A notícia é hoje mercadoria abundantíssima e, portanto, de baixa cotação. Foi isto que nos roubou, lentamente, a alma. Fizemo-nos máquinas registadoras de cifras e paisagens. Julgámos equivalente à informação meteorológica a comprovação do comportamento crapuloso dos nossos políticos ( que também são uma chuva de nulidades e um tornado de imbecis). Demo-nos a pensar que a informação do excesso de manteiga nos mercados europeus era tão insignificante como a da razia da tuberculose no Corno de África, ou a da malária na África húmida ou a dos bebés que morrem de fome num qualquer lugarejo do mundo que Cristo ignorou.
Acode-nos à mente a fotografia horrenda daquela criança negra, moribunda, a arrastar-se num chão seco, crestado, vigiada de perto por um abutre quase tão grande como ela, passarão ladino, predador, que aguarda, já impaciente, o último estertor da vida para a poder dilacerar, já morta. A criança talvez não soubesse, no exacto instante em que o repórter disparou a sua máquina, que iria morrer logo depois; mas sabia certamente que sofria e que o chão, indiferente à sua dor muda, era o último limite da sua solidão.
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“Bela foto, não é ? Parece que o tipo que a tirou vai ganhar um concurso importante de fotojornalismo”, dizem-me.
Há um dito latino que nos diz que quod abundat non nocet – “o que abunda (ou o que está a mais) não prejudica”. Cremo-lo falso, quase perverso. O que abunda, o que está a mais, trivializa, cria a ilusão do espectáculo sem consequências. Tudo parece valer o mesmo, ou seja, muito pouco. A notícia é hoje mercadoria abundantíssima e, portanto, de baixa cotação. Foi isto que nos roubou, lentamente, a alma. Fizemo-nos máquinas registadoras de cifras e paisagens. Julgámos equivalente à informação meteorológica a comprovação do comportamento crapuloso dos nossos políticos ( que também são uma chuva de nulidades e um tornado de imbecis). Demo-nos a pensar que a informação do excesso de manteiga nos mercados europeus era tão insignificante como a da razia da tuberculose no Corno de África, ou a da malária na África húmida ou a dos bebés que morrem de fome num qualquer lugarejo do mundo que Cristo ignorou.
Acode-nos à mente a fotografia horrenda daquela criança negra, moribunda, a arrastar-se num chão seco, crestado, vigiada de perto por um abutre quase tão grande como ela, passarão ladino, predador, que aguarda, já impaciente, o último estertor da vida para a poder dilacerar, já morta. A criança talvez não soubesse, no exacto instante em que o repórter disparou a sua máquina, que iria morrer logo depois; mas sabia certamente que sofria e que o chão, indiferente à sua dor muda, era o último limite da sua solidão.
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“Bela foto, não é ? Parece que o tipo que a tirou vai ganhar um concurso importante de fotojornalismo”, dizem-me.
Ah, mundo, mundo imundo, mundo-abutre, mundo-pulha, por onde Cristo, Maomé, Buda e Confúcio não deixaram o menor vestígio de passagem …
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