21 de junho de 2008

PASSO A PASSO



Dizem os teóricos do saber antropológico que a imagem do humano foi três vezes humilhada, no arco de tempo que se contém entre a Renascença e o século XX. Primeiramente, teria sido Galileu a retirar o Homem do centro do Universo, ao colocar no eixo do seu sistema do mundo não a terra, mas o sol. Viera depois, bem mais tarde, Charles Darwin, negando-lhe o privilégio da criação divina e convertendo-o numa espécie de primata mais aperfeiçoado. Finalmente, na transição do século XIX para o século XX, as pretensões demonstrativas de Freud roubaram-lhe o orgulho da plena consciência dos seus actos, os quais seriam determinados, em última instância, não pelas directrizes de uma consciência soberana, mas pelas imposições incontroláveis do seu inconsciente dinâmico.
As arrumações do pedagogismo têm destas coisas: criam a ilusão do conhecimento, através do recurso a explicações de fácil digestão. O truque está em se encontrarem meia dúzia de imagens aliciantes, suficientemente coloridas e interiorizáveis sem esforço. Assim se consagra a eternidade de fórmulas ambíguas.
Afinal, falamos do Homem do Renascimento como se este se reduzisse ao escasso punhado de sábios dados às coisas da Astronomia. Pior: como se então estivesse verdadeiramente a nascer o postulado de uma racionalidade demonstrativa e triunfante. Mas não foi na Renascença que mais grassaram os fascínios da demonologia e as falsas promessas da Alquimia, da Cabala e dos mil “saberes subterrâneos”? E teria sido só com Darwin que se estabeleceu o princípio da filiação de todas as organizações vitais, homologação do princípio da unidade da Natureza? O sentimento da afinidade de todas as coisas e da transmutação de umas nas outras não se encontrava já em outros pensadores como em Heraclito ou em Leibniz e na Monadologia deste último? E não é também razoavelmente mítica a tal “descoberta do Insconsciente” por Freud, mesmo na sua dimensão dinâmica? Hegel escreveu as suas mais cintilantes páginas sob a influência do álcool; os românticos franceses da geração pertencente aos ciclos revolucionários de 1830 e 1848 abusaram do absinto e do ópio, justamente por saberem que os letargos alcoólicos e opiáceos lhes favoreciam a criatividade, a partir redutos pré-lógicos ou proto-conscientes. Desconfiemos sempre de reduções explicativas excessivamente peremptórias.

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