O cidadão Licínio Granada, de Tomar, reporta-se à minha carta “A propósito do Centenário da República”, publicada no "Jornal do Fundão", em termos muito cordatos e elogiosos, que lhe agradeço, compondo por sua vez um texto através do qual declara não ir celebrar os próximos cem anos de República porque esta, em seu entender, “está inquinada por uma mácula permanente, qual seja, a de ter sido imposta pela força das armas e não pelo sufrágio popular”. Não tenho a menor intenção de abrir polémica com o meu correligionário Licínio Granada, também ele republicano. Gostaria apenas de tecer, acerca dos seus motivos de desgosto, algumas breves considerações.
A ideia de que toda e qualquer mutação socio-política tenha de ser sufragada, ou seja, sujeita a uma votação formal, é, no meu modesto entender, uma generosa, inviável e nociva ilusão. A ter de ser assim, o regime liberal nunca teria chegado a vingar. É que ele foi imposto, primeiro nos Estados Unidos da América, depois em França e logo a seguir numa grande parte dos países europeus, pela força das armas. Os votos só vieram a seguir. E nem de outro modo poderia ser. O absolutismo monárquico assentava em fundamentos históricos que não se conformavam com o eleitoralismo. Pois se nem sequer havia partidos políticos … É bom também recordar que a monarquia constitucional se impôs em Portugal, fundamentalmente entre 1834 e 1910, como efeito do desenlace de uma longa e cruenta guerra civil, travada entre os adeptos do absolutismo de D. Miguel e os partidários de D. Pedro, antigo Imperador do Brasil, estes últimos apostados em oferecer um trono constitucional à pequena Dª Maria da Glória, filha de D. Pedro. Como se sabe, também a monarquia, quer na sua versão absolutista, quer no seu mote constitucional, não foi legitimada por qualquer sufrágio universal. Nem antes, nem depois de implantada.
A minha honradez intelectual obriga-me a concordar com Licínio Granada num ponto: Portugal não era maioritariamente monárquico em 5 de Outubro de 1910. Era, isso sim, de uma ignorância empedernida e crassa; a taxa de analfabetismo ultrapassaria, segundo alguns historiadores credíveis (Oliveira Marques incluído), mais de oitenta e cinco por cento da população global!!! Era uma formação social que se via à margem do progresso geral do industrialismo europeu. Os campos rebentavam de fome. As cidades, como o registou Ramalho Ortigão (insuspeito monárquico), tresandavam, pois eram fétidas e sujas, por falta de saneamentos básicos e de recolha de lixos. As vias férreas – que na Grã-Bretanha já existiam desde o início do século XVIII e que já eram uma trivialidade na Europa dos primeiros decénios de Oitocentos – só surgiram entre nós em 1856, através de um pindérico troço de 25 quilómetros, inaugurado com pompa e fanfarra por D. Pedro V, entre Lisboa e o Carregado. A própria “democracia monárquica” era um embuste. A Carta Constitucional de 1826 só consignava direitos eleitorais censitários, isto é, só atribuía capacidade eleitoral, direitos de voto, a quem pagasse determinados montantes de imposto, imposto que na época era designado sob o nome de “censo”. Que significa isto? Isto significa que o voto se concentrava nas mãos de meia dúzia de terratenentes e de caciques. Após o Ultimato inglês de 1890, a corrupção financeira e política era verdadeiramente inimaginável. Quando Oliveira Martins foi ministro, no gabinete presidido por Dias Ferreira, fez questão de provar numa sessão histórica, em plena Câmara Legislativa, com documentos na mão, que o antigo ministro Mariano de Carvalho, do Partido Progressista (monárquico) havia roubado quantias vultuosíssimas. E ele replicou mais ou menos assim: “Pois sim. Mas fui a Inglaterra negociar um empréstimo e salvei Portugal da bancarrota”. Pasmoso episódio! E mais pasmosa se torna a credibilidade da Coroa portuguesa se pensarmos que pouco depois da denúncia de Oliveira Martins, não foi Mariano de Carvalho a ser preso, mas o ministro Martins a ser baldeado da sua pasta. É necessário dizer mais alguma coisa? Uma monarquia que chega a estas formas de vilania merece tombar através da indignação das balas.
Poderia aduzir muitas outras razões. Mas não quero cansar os leitores, nem abusar das colunas do prestigioso “Jornal do Fundão”. Exortarei, isso sim, – com a maior deferência e gentileza – o meu correligionário Licínio Granada, também ele republicano, a celebrar, com alegria e sem quaisquer restrições, os nossos cem anos de República.
Viva a República Portuguesa! “Saúde e Fraternidade”!
A ideia de que toda e qualquer mutação socio-política tenha de ser sufragada, ou seja, sujeita a uma votação formal, é, no meu modesto entender, uma generosa, inviável e nociva ilusão. A ter de ser assim, o regime liberal nunca teria chegado a vingar. É que ele foi imposto, primeiro nos Estados Unidos da América, depois em França e logo a seguir numa grande parte dos países europeus, pela força das armas. Os votos só vieram a seguir. E nem de outro modo poderia ser. O absolutismo monárquico assentava em fundamentos históricos que não se conformavam com o eleitoralismo. Pois se nem sequer havia partidos políticos … É bom também recordar que a monarquia constitucional se impôs em Portugal, fundamentalmente entre 1834 e 1910, como efeito do desenlace de uma longa e cruenta guerra civil, travada entre os adeptos do absolutismo de D. Miguel e os partidários de D. Pedro, antigo Imperador do Brasil, estes últimos apostados em oferecer um trono constitucional à pequena Dª Maria da Glória, filha de D. Pedro. Como se sabe, também a monarquia, quer na sua versão absolutista, quer no seu mote constitucional, não foi legitimada por qualquer sufrágio universal. Nem antes, nem depois de implantada.
A minha honradez intelectual obriga-me a concordar com Licínio Granada num ponto: Portugal não era maioritariamente monárquico em 5 de Outubro de 1910. Era, isso sim, de uma ignorância empedernida e crassa; a taxa de analfabetismo ultrapassaria, segundo alguns historiadores credíveis (Oliveira Marques incluído), mais de oitenta e cinco por cento da população global!!! Era uma formação social que se via à margem do progresso geral do industrialismo europeu. Os campos rebentavam de fome. As cidades, como o registou Ramalho Ortigão (insuspeito monárquico), tresandavam, pois eram fétidas e sujas, por falta de saneamentos básicos e de recolha de lixos. As vias férreas – que na Grã-Bretanha já existiam desde o início do século XVIII e que já eram uma trivialidade na Europa dos primeiros decénios de Oitocentos – só surgiram entre nós em 1856, através de um pindérico troço de 25 quilómetros, inaugurado com pompa e fanfarra por D. Pedro V, entre Lisboa e o Carregado. A própria “democracia monárquica” era um embuste. A Carta Constitucional de 1826 só consignava direitos eleitorais censitários, isto é, só atribuía capacidade eleitoral, direitos de voto, a quem pagasse determinados montantes de imposto, imposto que na época era designado sob o nome de “censo”. Que significa isto? Isto significa que o voto se concentrava nas mãos de meia dúzia de terratenentes e de caciques. Após o Ultimato inglês de 1890, a corrupção financeira e política era verdadeiramente inimaginável. Quando Oliveira Martins foi ministro, no gabinete presidido por Dias Ferreira, fez questão de provar numa sessão histórica, em plena Câmara Legislativa, com documentos na mão, que o antigo ministro Mariano de Carvalho, do Partido Progressista (monárquico) havia roubado quantias vultuosíssimas. E ele replicou mais ou menos assim: “Pois sim. Mas fui a Inglaterra negociar um empréstimo e salvei Portugal da bancarrota”. Pasmoso episódio! E mais pasmosa se torna a credibilidade da Coroa portuguesa se pensarmos que pouco depois da denúncia de Oliveira Martins, não foi Mariano de Carvalho a ser preso, mas o ministro Martins a ser baldeado da sua pasta. É necessário dizer mais alguma coisa? Uma monarquia que chega a estas formas de vilania merece tombar através da indignação das balas.
Poderia aduzir muitas outras razões. Mas não quero cansar os leitores, nem abusar das colunas do prestigioso “Jornal do Fundão”. Exortarei, isso sim, – com a maior deferência e gentileza – o meu correligionário Licínio Granada, também ele republicano, a celebrar, com alegria e sem quaisquer restrições, os nossos cem anos de República.
Viva a República Portuguesa! “Saúde e Fraternidade”!
1 comentário:
Caro Amigo,
Adorei o «pindérico troço de 25 quilómetros»!
Realmente, somos invulgares quando transmutamos qualquer insignificância em grandeza extraordinária. No Estado Novo fizeram-se duas “auto-estradas”: uma de Lisboa (Amoreiras) ao estádio nacional – uns ridículos quilómetros – e outra, veja-se bem, de Lisboa (aeroporto) a Vila Franca de Xira – outros 25 quilómetros! E nisto consistiu a “rede” de boas vias automóveis em quase 50 anos de regime ditatorial!
Dir-se-á que, agora, em 34 de democracia, se rasgou o país de lés-a-lés com auto-estradas impressionantes… Pois foi! Agora, que temos à porta uma crise que põe em dúvida o valimento da deslocação automóvel!
E fizeram-se auto-estradas, justificando-se o facto como?
Pela necessidade de abrir Portugal ao trânsito, de encurtar distâncias. Grande mentira. Mentira, porque, desde Fontes Pereira de Melo – ou talvez antes – a construção civil foi sempre a indústria onde se ocupou o maior número de mão-de-obra, por isso, é aquela onde se faz fortuna mais facilmente e através da qual “parece” desaparecer o desemprego e aumentar o desenvolvimento nacional.
Cavaco Silva, tal como Fontes, esperou que, uma vez aberto o caminho para o escoamento dos produtos, se instalassem as indústrias… Falsa esperança! Não conseguimos industrializarmo-nos e deixámos de ser um país agrícola. Agora, agora quase não somos nada, não fossem uns serviços, uns turistas e um vago rasgo de produção industrial do qual nos orgulhamos como dos pífios 25 quilómetros de caminho-de-ferro do tempo da monarquia constitucional.
Com tudo isto, permanecem à solta uns quantos Marianos de Carvalho – ministros ou não – e nós, cidadãos esperançados e esperançosos, aguardamos que esta República se regenere por força dos votos, pois que, pela das armas, graças à União Europeia, já não pode ser. Fizeram-na bonita, não haja dúvidas!
Viva a República!
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