Foi então que ele me disse, num desabafo entre o tédio e a desilusão: - “Pois agora é que eu estava pronto e capaz para fazer de maneira diferente o que fiz de errado há quinze anos”. Quem não ouviu já isto? Pode variar o tema ou a tarefa, pode oscilar o tempo que medeia entre o agora por fazer e o ontem já feito, mas a verdade é que escutamos vozes que dizem, com alguma amargura: - “Agora é que eu estava maduro, preparado, sazonado (para isto ou para aquilo)”. É bom que evitemos este mau hábito. É como se a vida tivesse sido vivida provisoriamente, como se quiséssemos abafar todas as derrotas, superar todos os erros, emendar o caminho já feito. É como se concluíssemos, subitamente doridos e perplexos, que não foi nossa a escolha, nem a vontade, nem o risco, nem a vertigem do viver. Quanto a mim, trilhando como trilhei a estrada do existir, vivi sempre em risco e fui partindo o cristal finíssimo de várias ilusões nas veredas e penedias de pé posto por onde andei. Hoje, olho para trás e digo sempre que valeu a pena. As alegrias e compensações que tive, guardo-as no sacrário da alma e folheio-as de vez em quando, rejuvenescendo rostos antigos de sucesso, de amor, de carinho, de autenticidade. E às tristezas que colhi, às traições de que fui alvo, às maldições que me rogaram, vou sempre conferindo o sentido pedagógico que faz de cada praga uma lição e de cada impropério uma virtual demonstração sobre a verdade do que é capaz a natureza humana. Nunca tive dúvidas sobre o Jano-Homem, com o seu duplo rosto de anjo e de estupor. Aliás, - para que não haja alguma dúvida – eu próprio sou assim. Suspeito até que todos sejamos tais quais, esta mistura exótica, imprevisível, inquietante, de Luz e de Treva. E daqui derivam duas consequências que norteiam o meu proceder. A primeira está no facto de nunca ter amaldiçoado o Diabo, que imagino não ser tão mau como o pintam. A segunda consiste em jamais ter feito de Deus a Suprema Bondade, tendo-o apenas por “bom rapaz”, talvez demasiado atilado para o meu gosto. E, já agora, se quiserem uma terceira consequência, supranumerária, de tudo o que foi dito, então acreditem que eu me esforço sempre muito por não dizer “Hoje é que eu faria bem o que ontem não deu certo”.
4 de junho de 2008
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2 comentários:
Caro Amigo,
Excelente observação de uma frase que, à força de ser dita vezes sem conta, se tornou quase banal nas nossas bocas. Duvido é da sinceridade de quem a diz, porque reviver é sempre voltar a viver tudo o que foi, também, doloroso e muitas oportunidades boas surgem em maus momentos e vice-versa.
Um abraço
FORÇA DE EXPRESSÃO
Seja heresia, seja o que quiserem,
mas caso exista um Deus que me criou
exactamente assim conforme sou
a fim de nossas almas se entenderem,
eu não me sinto diferente d'Ele,
pois a amizade exige paridade
embora com distinta identidade
e cada qual mantendo a sua pele.
Não creio que isto seja uma heresia
mas tão-somente uma ânsia irreprimível
de ter acesso à sua companhia.
Desejo-o tanto que isto é uma forma
de me expressar talvez fora da norma
mas sentimentalmente compreensível!
João de Castro Nunes
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